A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia de 16 de junho de 1776, considerada pelos positivistas o marco do nascimento dos direitos humanos, declara que "todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança".
Nasce neste momento de forma positivada o denominado "Direito a felicidade", que deixa de pertencer unicamente ao jusnaturalismo e alberga-se também junto ao positivismo, nas palavras de Konder Comparato: "a busca da felicidade repetida na Declaração de Independência dos Estados Unidos (...), é a razão de ser imediatamente aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações. É uma razão universal, como a própria pessoa humana".
Com a Independência dos Estados Unidos no dia 04 de julho de 1776, a felicidade foi elevada ao status de um direito que, ao lado de tantos outros, como vida, liberdade e igualdade representam, segundo Fábio Konder Comparto, "o primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social".
Este é o prólogo da Declaração de independência criada por Thomas Jefferson: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão à vida, à liberdade e à procura da felicidade". É a felicidade ganhando status de Direito equivalente ao Direito à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade da pessoa humana.
Passada a Revolução Francesa e diante da existência de duas Grandes Guerras Mundiais, em que a civilização presenciou as barbáries que o ser humano era potencialmente "arguto" a praticar contra si, deu-se o start a um novo movimento de busca da preservação da pessoa humana, pois ínsito estaria seu direito a dignidade. Nesse sentido, com a criação da ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, percebeu-se que os países membros ONU passaram a positivar em suas ordens jurídicas internas, em suas Magnas Cartas, alguns dos valorosos Direitos reconhecidos na DUDH, nascendo-se neste momento os Direitos Fundamentais. Internalizavam-se inúmeros valores da órbita dos Direitos Humanos na forma de Direitos Fundamentais.
Não foi o que se percebeu com relação ao Direito à Felicidade, entrementes, visto que poucas foram as ordens normativas que vieram a consagra-lo, positiva-lo entre os seus Direitos Fundamentais, permanecendo, quando considerado internamente, ao campo de uma maior abstração jusnaturalista.
Desta tendência omissiva não haveria escapado a CRFB/88, que apesar de considerada vocacionada aos direitos fundamentais, que ganharam statusde cláusulas pétreas em pujante preocupação de ofertar a garantia da proteção ao indivíduo frente ao todo poderoso Estado, independente e autônomo do poder jungido ao espectro temporal de um passageiro Governo, não se fez inserir o Direito à Felicidade na forma positivada.
De certo, a título de crítica, resta inelutável sua latente subjetividade e alto grau de abstração, donde caberia questionar: O que viria a ser felicidade? Precisar uma resposta em caráter erga omnes seria uma pretensão não palatável de qualquer demonstração fidedigna de verossimilhança lógico-racional, algo não palpável, carente de precisão, de sorte que, se tomada em caráter individual, considerada o ser de per si, uma visualização já se faria de formato melhor delineado, mas que não seria este o objetivo ao se positivar o princípio da felicidade, senão caracterizá-lo em seus aspectos mínimos para que se forneça o mínimo existencial necessário à obtenção da dignidade humana em seu sentido mais difundido (difuso).
Neste ponto que, entendo encapsulado no Direito à Felicidade o Direito a Dignidade da Pessoa Humana, que em verdade melhor seriam caracterizados como princípios programáticos a qual estariam afetos o Estado na medida do possível, respeitado o mínimo existencial (núcleo indisponível).
Se o Estado propicia com eficiência segurança, educação, saúde, trabalho, previdência, moradia e transporte, o indivíduo tem as condições mínimas para atingir a felicidade considerando o "homem médio". No entanto, é preciso fazer a distinção entre fins e meios. O bem comum é a finalidade, e os direitos sociais, os meios para promovê-lo. Nesse diapasão, não se pode colocar a felicidade como direito a ser garantido pelo Estado. O que é em verdade dever do Estado é assegurar os meios para que cada um possa alcançar à felicidade. Com efeito, ninguém pode dizer a outro seja feliz, quando esse sentimento não brota do espírito.
O atendimento as dimensões dos Diretos fundamentais, em especial a 2ª (social-prestacional), revela-se a mola propulsora para que o Estado forneça os meios para que o indivíduo encontre o fim, felicidade. É neste caminho que o Princípio da Felicidade só se faz cognoscível se a maior parte dos Direitos fundamentais restarem efetivamente garantidos, passando pelo prestígio ao princípio da Dignidade Humana, prima facie.
A dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autodeterminação, a igualdade, o pluralismo, a intimidade, a não-discriminação revelam-se garantias de nossa ordem constitucional, que à depender, deverá o Estado abster-se ou prestar sem o qual não haverá falar-se de Direito ou Princípio da Felicidade.
Quero infirmar que, a chave mestra para o alcance da felicidade está em proporcionar os direitos sociais em sua maior porção como forma de suprir as necessidades básicas dos que se vislumbram hipossuficientes, não se deixando de asseverar que a "porta da felicidade" só começará a se abrir o dia em que a educação se revelar prioridade e se fizer inclusiva, reverberando o instrumento (meio) definitivo para a oferta de felicidade, quando fórmulas paliativas no estilo Robin Hood se tornarão démodé pelo seu ínsito atraso perturbador. Neste momento é que teremos um sistema de Estado que funcionará nos termos da Constituição e a felicidade positivada ou não poderá ser gozada a partir de cada individualidade.
No momento histórico de nosso Estado Democrático de Direito, a positivação do Princípio da Felicidade servirá mais aos operadores do Direito como mais um argumento constitucional a se juntar aos já existentes que fundamentam os pedidos de mínimo respeito às dignidades (lato senso), que propriamente uma garantia que o Estado estará a propiciar os meios para o alcance deste fim, pois como já colocado, a felicidade é um fim subjetivo a partir da oferta de meios que o Estado insiste em abster-se quando deve prestar, de modo que o "Direito à Felicidade" revela-se hodiernamente de uma utopia conjuntural que lamentavelmente mais se aproxima do escárnio que de uma possível garantia estatal.
Independente da positivação, o STF já se fez pronunciar no voto do Ministro Celso de Mello nestes termos: ADI 3300/06-DF - "Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais".
Assim que, o Princípio da Felicidade poderá servir como fundamento a robustecer nossos pedidos de dignidade humana, e que nos vimos impelidos a buscar no Estado-juiz sua reparação, compensação e restituição fundamental pela ineficiência do próprio Estado prestador. Na atualidade sua positivação poderá servir tão só a qualificar nossas pretensões a já constitucionalizada dignidade, nada além.
Lembro que, a EC 62 acrescentou o direito fundamental a alimentação ao art. 6º da Carta, um direito que encontra-se intimamente ligado ao mínimo existencial e ao Princípio da Dignidade Humana como o "Direito a Felicidade", que ao contrário deste possui um grau de concretude infinitamente maior e por isso mais realizável, revelando-se um direito palpável, mas nem por isso percebeu-se qualquer alteração no campo fenomênico a partir de sua constitucionalização como cláusula pétrea.
Falar em "direito à felicidade" sem educação e com fome, com um sistema de saúde desumano e degradante a dignidade é mais ou menos como prometer ao cego a visão do paraíso antes da morte, possível talvez apenas a partir do poder de imaginar o que não se pode ver com o apoio de psicotrópicos.
Constitucionalizá-la neste momento como princípio a ser perseguido será trazer à CRFB/88 mais uma norma de eficácia mínima que servirá, quem sabe, como novo fomento ao Estado político-executor para à priori se ofertar dignidade.