24 maio, 2013

A MP dos Portos é Inconstitucional!

A MP 595, conhecida como MP dos Portos restou aprovada nas Casas Legislativas após embate político entre Governo e oposição com algumas alterações ao texto original. O texto irá para sanção da presidente que possivelmente vetará algumas alterações.

Se a mudança proposta com a MP promoverá os benefícios alardeados pelo governo não me sinto capacitado para mensurar, avaliar, não possuo a expertise necessária para asseverar. Ater-me-ei em máxima dosagem apenas ao aspecto jurídico da MP. Não poderarei quanto a suposta existência de mensalão para sua aprovação, não é este o objetivo do presente artigo.

Aos defensores a MP dos Portos promete solucionar o gargalo logístico que o país vem enfrentando há décadas na medida em que permite a instalação de terminais portuários privados, além da nova modalidade de Estação de Transbordo de Cargas, sem a necessidade de comprovação de cargas próprias, principal fator de restrição legal até então existente.

Diametralmente oposta é a posição de outros sustentando que o Brasil na primeira metade deste século, o PIB brasileiro cresceu em níveis próximos aos níveis mundiais. A corrente de comércio exterior brasileiro passou de US$ 100 bilhões para US$ 480 bilhões, a movimentação de contêineres elevou-se de 2 milhões para 5,3 milhões e o Brasil teve crescimento no comércio exterior maior que a China e muito maior que os Estados Unidos e Alemanha, no período 2009-2011. Como 95% do comércio exterior brasileiro se dá através dos portos, sustentam ser razoável imaginar que o marco regulatório do setor tenha contribuído para esta performance.

Apesar disso, surpreendentemente o país é sacudido por uma "urgência": a imediata e radical substituição do "caótico" modelo portuário brasileiro, acusado de ser a causa de "gargalos" e responsável pelo "custo Brasil". Esta "evidência" protagoniza as manchetes dos principais jornais e revistas vindo a ganhar espaços crescentes nos telejornais como a promessa de solução para um novo Brasil hábil para crescer. A ministra da Casa Civil Gleisi Hoffman vai à Comissão Mista da MP e repete a cantilena apocalíptica de que o sistema portuário é caótico, está ultrapassado e precisa ser substituído por um outro, mais "moderno" e que estimule os "investimentos privados".

A parte podre do jogo político de repercussão lamentavelmente a sociedade não toma conhecimento, encontra-se alienada. O governo atua junto ao Tribunal de Contas da União no fulcro de impedir o julgamento de processo TC-015.916/2009-0. A base do julgamento seria o robusto relatório da SEFID – Secretaria de Fiscalização de Desestatização e de Regulação que, consolidando anos de detalhada investigação, relatório concluía pela inconstitucionalidade e ilegalidade da prestação de serviço público sem licitação pelos terminais de Cotegipe (BA), Portonave (Navegantes/SC, processo administrativo iniciado em 1999), Itapoá/SC (processo iniciado em 2004) e Embraport (Santos/SP, processo iniciado em 2000) e declarava a leniência fiscalizatória e regulatória da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários e da SEP - Secretaria de Portos da Presidência da República.

As informações da imprensa são de que o governo teria comunicado ao TCU que estaria resolvendo o problema com a edição de uma medida provisória. O TCU suspende o julgamento e o governo edita a Medida Provisória 595/2012, revogando a Lei dos Portos e "legalizando" atividades ilegais dos referidos terminais privados de uso misto que prestavam irregularmente serviço público sem licitação.

Assim, a principal consequência da MP 595 que denota-se perniciosa é a possibilidade de prestação de serviço público de exploração de portos por empresas privadas sem licitação, com contratos eternos, ofendendo portanto o princípio da obrigatoriedade de licitação. Logo, sem a obrigação de ofertarem serviço adequado, universal, contínuo e com modicidade tarifária, por prazo determinado e com previsão de reversão dos bens afetados em favor do porto organizado, em evidente assimetria concorrencial em relação aos terminais privados e públicos nos portos organizados, submetidos a todos estes condicionantes. É o que vinham ilegalmente fazendo os terminais privados beneficiados pela suspensão do julgamento do TCU e pela edição da MP.

É neste momento que, independente das prometidas melhorias implacáveis vindas da MP esta revela-se de uma inconstitucionalidade reluzente, que de tanta luz parece ter cegado o tirocínio até mesmo dos mais antenados. A Constituição veda peremptoriamente a hipótese de prestação de serviço público de titularidade de União por particular sem a realização de licitação e submissão ao regime público. O artigo 21, XII, da Constituição estabelece que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres. E o art. 175 prevê que incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Nestes termos, a MP está maculada pela mais absoluta inconstitucionalidade. Portanto, a Constituição Federal [Art.21 e 175] determina que a prestação de serviço público (movimentação de cargas de terceiros) é atribuição da União, podendo ser concedida a estados, municípios ou a iniciativa privada, exclusivamente por meio de licitação. A MP cria a figura do Terminal de Uso Privado (TUP), fora do porto organizado, com autorização para prestar serviço público, sem licitação, em claro confronto com o que promana a Carga Magna.

A ausência de licitação além da inconstitucionalidade que representa acarreta consequências desastrosas ao direito de concorrência em igualdade de condições e permite a abertura da vala da corrupção e dos odiosos e escusos favorecimentos, indo em direção oposta aos princípios moralidade e da impessoalidade que instruem não apenas o texto constitucional, mas o espírito da Lei de Concessões (L. 6987/95), que logo em seu artigo 1º, caput menciona expressamente o artigo 175 da CRFB nestes termos:
"Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos."

De fato, ao Supremo Tribunal Federal cabe o papel de zelar para que os termos da Constituição encontre efetividade perante o ordenamento pátrio, tarefa que se torna indelevelmente estafante a partir de um Executivo e de um Congresso que parecem desconhecer as balizas traçadas pelo texto constitucional, restando-lhe a incumbência funcional de intervir nas demais funções de poder e ser estereotipado por praticar ativismo judicial, mais uma vez legítimo e necessário. Aguardemos.

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