14 maio, 2013

PEC 99. Ah PEC PEC PEC...

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 99/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), que inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.

Entre as entidades estão, por exemplo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional. A proposta será analisada por uma comissão especial e, em seguida, votada em dois turnos pelo Plenário.

Hoje, só podem propor esse tipo de ação: o presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; governador de Estado ou do Distrito Federal; o procurador-geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A PEC dispõe sobre a "capacidade postulatória" das associações religiosas para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC ou ADECON) de leis e atos normativos.

Juridicamente a justificação da PEC quando fala em "capacidade postulatória" peca pela ausência de precisão. Em verdade, a capacidade postulatória (capacidade para ajuizar uma ação e promover a defesa de interesse seu ou de outra(s) pessoa(s) em juízo) pertence aos advogados, com raras exceções expressamente dispostas no ordenamento sem que se possa cogitar desta que ora tratamos. Quis o nobre relator da justificativa da PEC falar em legitimidade ativa para por meio de advogado constituído propor as mencionadas ações de controle concentrado.

Caso aprovada a PEC, após passar pelo rito próprio de deliberações e votações previsto na CRFB, as associações religiosas de âmbito nacional ostentariam o posto de legitimados especiais, querendo isto dizer que poderiam propor as ações de controle concentrado mencionadas quanto fizessem a comprovação da pertinência temática, demonstrando a correlação entre as finalidades estatutárias da associação religiosa e a disciplina da norma que se questiona a constitucionalidade.

De fato, a pertinência temática julgo ser um primeiro empecilio para que esta PEC seja aprovada, e digo isto por uma questão de razoabilidade. Suponhamos, a título de ilustração, que as associações religiosas façam constar em seus estatutos que sua finalidade é a defesa da vida, da moral e dos bons costumes, quando o Estado não poderá negar-se a registrá-las nesses termos, vale salientar. Neste momento, dada a amplitude de sua finalidade, estas associações religiosas de âmbito nacional teriam como comprovar pertinência temática para quase todas as ações de modelo concentrado que se pudesse cogitar a partir de uma cosmovisão religiosa capaz de incluir quase todos os aspectos da vida.

Passariam as associações religiosas de caráter nacional a ostentar uma legitimidade ativa, que apesar de especial, revelar-se-ia mais ampla, inclusive, que as legitimadas universais, que não precisam da comprovação de pertinência temática para a propositura das ações de controle concentrado. Há esta altura o Supremo Tribunal Federal prestaria sua atividade jurisdicional quase em tempo integral as associações religiosas de caráter nacional, desarrazoado por certo.

Imperiosa seria, por obvio, a comprovação por parte da associação religiosa de seu caráter nacional, sem o que não cumpriria o requisito para proposição. Lei ou próprio STF teria que fixar o que entende por caráter nacional no tocante as associações religiosas. Para as entidades de classe, que devem também atender esse requisito constitucional, o STF estabeleceu sua representação em pelo menos 9 estados da federação para considera-la de caráter nacional, por analogia a L. 9096/95.

Esta PEC que já foi estereotipada com um sem número de apelidos vem sendo caracterizada como desvirtuadora do Estado laico por razões imprecisas, com a devida vênia. A PEC não faz em nenhum momento referência por predileção a nenhuma forma de fé em especial, fala apenas em associação religiosa de âmbito nacional. Qualquer conclusão intuitiva não se faz merecedora de credibilidade como argumento válido.

Como a partir de uma interpretação sistemática da Constituição podemos dela retirar que adotamos o Estado laico como modelo, ainda que estejamos em um claro processo fático de laicização, intolerável seria propositura de uma PEC que privilegiasse qualquer espécie de fé em detrimento das demais. Não se revela neste formato a proposta, embora alguns juridicamente leigos vistos como celebridades pela sociedade, voltados a causas contrárias as defendidas por algumas fés religiosas, venham ignorantemente (no sentido de desconhecimento jurídico do tema) defendendo em seus artigos. A quebra da laicidade é legítima como defesa contra a PEC em foco, mas não por este argumento. Interpretar associações religiosas apenas como igrejas cristãs faz parte de uma elucubração parcial que não se pode vislumbrar da proposta (PEC).

A PEC 99/11 revela uma realidade de difícil visualização prática exatamente pela necessidade de se respeitar a fé como algo que se deve tolerar com isonomia. Não é demais assentar que, a ratio essendi da PEC em comento foi sedimentada a partir da decisão do STF no tocante a possibilidade constitucional de união civil estável entre casais homoafetivos. Algumas siglas notoriamente representam a grande oposição a esta possibilidade aberta a partir da decisão do STF, outras, com uma ortodoxia menos latente, respeitam as diversidades e acolhem a ideia com maior naturalidade.

A laicidade significa que as religiões devem estar protegidas da interferência abusiva estatal em suas questões "interna corporis" e o Estado deve manter-se neutro em relação às diferentes concepções religiosas se mostrando distante de influências indevidas. Se o STF vier a aceitar a legitimidade ativa para controle concentrado de uma associação religiosa defensora de uma fé acabará por privilegiá-la em detrimento de outra defensora de concepção dissonante revelando um comportamento não isonômico e não laico, quando a outra concepção de fé terá apenas a figura do "amicus curiae" (participação menor na ação de controle concentrado) como forma de democratizar sua opinião (não isonômico e não laico). Esta é uma posição pessoal.

Quando o STF disse constitucional a união civil homoafetiva, embora tenha admitido a CNBB na figura de "amicus-curiae", seus argumentos de fé não puderam ser levados da intima convicção dos magistrados à fundamento da constitucionalidade do controle proposto.

O ponto fulcral inegociável, a verdadeira pedra de toque da questão, é que um Estado laico deve se manter distante das razões e fundamentos que a fé religiosa promana, tanto que as questões de fé não podem servir como fundamento de qualquer decisão judicial. Os argumentos de fé que porventura fundamentem o objeto do controle concentrado de constitucionalidade não poderão fundamentar a decisão. Uma decisão fundamentada nestes termos deve ser tida como nula.

Em se aprovando a PEC 99, entendo que apenas as questões de ordem objetiva desligadas da fé poderiam ser aceitas como objeto de controle concentrado de constitucionalidade, como a referente às imunidades tributárias, a título de exemplo, jamais objetos subjetivos com primazia na fé. Não se pode aceitar a adequação da lei a "moral religiosa".
A separação entre Estado e religião, entendo, seja o argumento mais forte para que esta PEC não encontre êxito apesar da enorme bancada religiosa no Congresso, considerando todas as implicações arroladas de um Estado em processo de laicização.

Termo que concluo que, o interesse em inserir as associações religiosas entre as legitimadas ativas para o controle concentrado revela-se diminuto ao se excluir as questões de fé dos pronunciamentos do Estado, que deve se pronunciar nesta seara apenas no sentido de reafirmar a laicidade nos termos da Constituição Republicana. Nesta toada entendo a PEC tendente a inconstitucionalidade a partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional.

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