13 março, 2012

PODER E POVO COMO ÁGUA E ÓLEO...

Um câncer? Não sei se posso considerar nosso poder/função legislativo como um câncer... Câncer é uma doença com potencialidade de morte, mas mata o doente de câncer e nenhum mal provoca à sociedade, por isso não entendo por pertinente a comparação, já que o canceroso é a única vítima do mal que lhe abateu. O Legislativo seria mais uma lepra... Talvez. Lepra, embora se irradie para além do leproso, não perdoa o próprio leproso, que como autodefesa da sociedade resta excluído do convívio social para que não dissemine seu mal. Em um país sério, despido de privilégios odiosos, onde se pune com rigor seus malfeitores, a lepra, mal e porcamente, poderia representar o mal que nos representa. Digo mal e porcamente, pois o leproso é uma vítima com potencial de vitimar terceiros, o que não se perfaz na exata tipologia do nosso Legislativo, que dolosamente dissemina seu mal sem estar acometido do mesmo, embora a maldade esteja ínsita em sua conduta, esta no reino tupiniquim, em regra, nada acarreta ao malfeitor que à irradia, não havendo qualquer plausibilidade em colocá-lo como vítima de alguma coisa... Melhor então é a não comparação do nosso legislativo com qualquer doença física, melhor percebê-lo como portador de uma gravíssima doença moral, não sei se patológica, mas com o poder destrutivo social tão poderoso como o de uma epidemia ainda sem profilaxia... Talvez assim possa se compreender o legislativo deste país.

É paradoxal pensar que o poder legislativo é representativo de uma das vestes mais importantes que caracterizam o Estado Democrático de Direito. É parte de um sistema de freios e contrapesos que teria, em tese, por essência, a não criação de poderes ilimitados e despóticos voltados a atender os interesses ora do povo ora dos estados que representa. Se é belíssimo no propósito é putrefato na execução. Na realidade, o legislativo representa o que a democracia pura jamais buscou proporcionar em meio a um Estado muitas vezes mais “de esquerdo” que “de direito”... Denota-se sim, em real, um poder dos mais despóticos, que constrói por regimentos internos faticamente “insindicáveis” suas próprias regras muitas vezes desarrazoadas, geralmente de cunho permissivo, e é “controlado” por outros poderes/funções, que no sistema dos freios e contrapesos nada freia, apenas escambeia poderes...

Semanalmente nos deparamos com escândalos de origem legislativa que denotam nitidamente o propósito desviado de seus membros. Com suas atuações quase sempre diametralmente opostas dos interesses que representam, conseguiram junto à esteriotipada notoriedade de desviados a perigosa inversão de valores quando olhada a questão sob a ótica de nós impotentes representados. Desviar dinheiro público, traficar influência, por exemplo, viraram práticas comuns, ínsitas à função, desde que feita de forma moderada, conta com aceitabilidade social, afinal, quem não faria o mesmo se estivesse lá? Este desvio moral que abate a sociedade, somado a falta de discernimento cultural que nos é em grande número peculiar, formam o ambiente propício para este “encaralhamento social” que nos é impelido, um estupro aceito passivamente sem direito a “aaaiii”...

O Globo esta semana estampou em uma de suas páginas a manchete: “Milagre da multiplicação”. A matéria denuncia o “empreguismo” no Senado Federal, prática conhecida das Casas legislativas combatida pelo Supremo, mas ainda com brechas permissivas para farra dos cargos comissionados. Denunciou-se a absurda dispensa do ponto tendo por fim a manutenção dos fantasmas comissionados e a imoralidade do aumento dos gastos públicos com a nomeação de até cinco vezes o número de assessores permitidos, isto graças a uma brecha regimental, que fez subir, por exemplo, os gastos com vale alimentação de sete milhões para vinte milhões de reais, em números arredondados. Foram ainda descobertos como comissionados contratados, políticos não eleitos que respondem a processos no STF, tudo isso em desacordo com os princípios da moralidade e da impessoalidade e da eficiência, corolários do art. 37 da CF e que deveria fomentar tais contratações. Enquanto não denunciado o esquema, a conivência com este é a prática do sistema. Denunciado, o esquema dá temporariamente uma esfriada, mas em regra o dinheiro público não retorna aos cofres e os autores do desvio contam com suas imunidades por ”prerrogativas de função”, com o corporativismo e com a complacência dos demais poderes na direção da impunidade, até porque cordialmente uma mão lava a outra para que ambas lavem o dinheiro sem qualquer sujeira aparente...

Onde estariam as falhas do sistema? Os mais discernidos sabem... Em especial, neste supra caso, permitir ainda o ordenamento a contratação de tantos comissionados sem qualquer critério de controle da seleção. Uma indicação casuística sem qualquer perquirição meritória.

Na realidade nossa democracia é quase como uma árvore frutífera. Produz bons frutos, mas também permite a produção de furtos podres. A diferença é que os frutos podres geralmente estão mais protegidos e parecem ter seus lugares assegurados, pois quanto mais podres ao invés de caírem, de serem expelidos, são alimentados por todo sistema, por uma seiva que retira dos bons frutos para fortalecer os mais apodrecidos como parte de uma seleção natural sui-generis, às avessas...

5 comentários:

Professor Marias da PUC-SP disse...

Muito bem escrito. Nada a acrescentar, só a lamentar. Acompanharei seus escritos.

Anônimo disse...

Linguagem forte com sangue latino e qualidade. Parabéns!

Rui Castro disse...

Sensacional! Ilustrou a democracia no último parágrafo precisamente.

Maurício - historiador disse...

Dizer o que de um texto desse?

Como disse o amigo acima, sensacional.

Anônimo disse...

É tão difícil achar qualidade neste meio on-line que fale de assuntos complexos, que devo que lhe parabenizar. Fui seu professor na PUC de Direito Constitucional e estou muito orgulhoso, embora não pudesse imaginar algo diferente vindo de você. Faz tempo, não?
Prazer reencontrá-lo.