24 maio, 2013

A MP dos Portos é Inconstitucional!

A MP 595, conhecida como MP dos Portos restou aprovada nas Casas Legislativas após embate político entre Governo e oposição com algumas alterações ao texto original. O texto irá para sanção da presidente que possivelmente vetará algumas alterações.

Se a mudança proposta com a MP promoverá os benefícios alardeados pelo governo não me sinto capacitado para mensurar, avaliar, não possuo a expertise necessária para asseverar. Ater-me-ei em máxima dosagem apenas ao aspecto jurídico da MP. Não poderarei quanto a suposta existência de mensalão para sua aprovação, não é este o objetivo do presente artigo.

Aos defensores a MP dos Portos promete solucionar o gargalo logístico que o país vem enfrentando há décadas na medida em que permite a instalação de terminais portuários privados, além da nova modalidade de Estação de Transbordo de Cargas, sem a necessidade de comprovação de cargas próprias, principal fator de restrição legal até então existente.

Diametralmente oposta é a posição de outros sustentando que o Brasil na primeira metade deste século, o PIB brasileiro cresceu em níveis próximos aos níveis mundiais. A corrente de comércio exterior brasileiro passou de US$ 100 bilhões para US$ 480 bilhões, a movimentação de contêineres elevou-se de 2 milhões para 5,3 milhões e o Brasil teve crescimento no comércio exterior maior que a China e muito maior que os Estados Unidos e Alemanha, no período 2009-2011. Como 95% do comércio exterior brasileiro se dá através dos portos, sustentam ser razoável imaginar que o marco regulatório do setor tenha contribuído para esta performance.

Apesar disso, surpreendentemente o país é sacudido por uma "urgência": a imediata e radical substituição do "caótico" modelo portuário brasileiro, acusado de ser a causa de "gargalos" e responsável pelo "custo Brasil". Esta "evidência" protagoniza as manchetes dos principais jornais e revistas vindo a ganhar espaços crescentes nos telejornais como a promessa de solução para um novo Brasil hábil para crescer. A ministra da Casa Civil Gleisi Hoffman vai à Comissão Mista da MP e repete a cantilena apocalíptica de que o sistema portuário é caótico, está ultrapassado e precisa ser substituído por um outro, mais "moderno" e que estimule os "investimentos privados".

A parte podre do jogo político de repercussão lamentavelmente a sociedade não toma conhecimento, encontra-se alienada. O governo atua junto ao Tribunal de Contas da União no fulcro de impedir o julgamento de processo TC-015.916/2009-0. A base do julgamento seria o robusto relatório da SEFID – Secretaria de Fiscalização de Desestatização e de Regulação que, consolidando anos de detalhada investigação, relatório concluía pela inconstitucionalidade e ilegalidade da prestação de serviço público sem licitação pelos terminais de Cotegipe (BA), Portonave (Navegantes/SC, processo administrativo iniciado em 1999), Itapoá/SC (processo iniciado em 2004) e Embraport (Santos/SP, processo iniciado em 2000) e declarava a leniência fiscalizatória e regulatória da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários e da SEP - Secretaria de Portos da Presidência da República.

As informações da imprensa são de que o governo teria comunicado ao TCU que estaria resolvendo o problema com a edição de uma medida provisória. O TCU suspende o julgamento e o governo edita a Medida Provisória 595/2012, revogando a Lei dos Portos e "legalizando" atividades ilegais dos referidos terminais privados de uso misto que prestavam irregularmente serviço público sem licitação.

Assim, a principal consequência da MP 595 que denota-se perniciosa é a possibilidade de prestação de serviço público de exploração de portos por empresas privadas sem licitação, com contratos eternos, ofendendo portanto o princípio da obrigatoriedade de licitação. Logo, sem a obrigação de ofertarem serviço adequado, universal, contínuo e com modicidade tarifária, por prazo determinado e com previsão de reversão dos bens afetados em favor do porto organizado, em evidente assimetria concorrencial em relação aos terminais privados e públicos nos portos organizados, submetidos a todos estes condicionantes. É o que vinham ilegalmente fazendo os terminais privados beneficiados pela suspensão do julgamento do TCU e pela edição da MP.

É neste momento que, independente das prometidas melhorias implacáveis vindas da MP esta revela-se de uma inconstitucionalidade reluzente, que de tanta luz parece ter cegado o tirocínio até mesmo dos mais antenados. A Constituição veda peremptoriamente a hipótese de prestação de serviço público de titularidade de União por particular sem a realização de licitação e submissão ao regime público. O artigo 21, XII, da Constituição estabelece que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres. E o art. 175 prevê que incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Nestes termos, a MP está maculada pela mais absoluta inconstitucionalidade. Portanto, a Constituição Federal [Art.21 e 175] determina que a prestação de serviço público (movimentação de cargas de terceiros) é atribuição da União, podendo ser concedida a estados, municípios ou a iniciativa privada, exclusivamente por meio de licitação. A MP cria a figura do Terminal de Uso Privado (TUP), fora do porto organizado, com autorização para prestar serviço público, sem licitação, em claro confronto com o que promana a Carga Magna.

A ausência de licitação além da inconstitucionalidade que representa acarreta consequências desastrosas ao direito de concorrência em igualdade de condições e permite a abertura da vala da corrupção e dos odiosos e escusos favorecimentos, indo em direção oposta aos princípios moralidade e da impessoalidade que instruem não apenas o texto constitucional, mas o espírito da Lei de Concessões (L. 6987/95), que logo em seu artigo 1º, caput menciona expressamente o artigo 175 da CRFB nestes termos:
"Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos."

De fato, ao Supremo Tribunal Federal cabe o papel de zelar para que os termos da Constituição encontre efetividade perante o ordenamento pátrio, tarefa que se torna indelevelmente estafante a partir de um Executivo e de um Congresso que parecem desconhecer as balizas traçadas pelo texto constitucional, restando-lhe a incumbência funcional de intervir nas demais funções de poder e ser estereotipado por praticar ativismo judicial, mais uma vez legítimo e necessário. Aguardemos.

21 maio, 2013

PL que Trata da Criação de Novos Partidos Políticos e Questões Controversas

A Carta Maior prevê a criação de novos partidos políticos, desde que sejam resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Essas constituem as balizas mestras a que se deve respeito, à priori, apesar do tema ainda precisar ser melhor disposto e regulamentado pelo ordenamento, que neste particular revela-se com lacunas não intencionais, em tese que não deveriam ser desejadas pelo legislador, que se apresenta mais uma vez omisso em seu dever constitucional.Os partidos representam um relevante papel na democracia brasileira, figurando como condição para o exercício do pluripartidarismo. Constituem um dos instrumentais que propiciam à população brasileira a condição de se expressar nos acontecimentos políticos, refletindo a participação social nas decisões do Estado. A finalidade do partido político, em um Estado Democrático, é principalmente organizar as forças em torno de um ideário político para disputar o poder na sociedade, difundindo suas ideologias políticas para conseguir adeptos e tentando contribuir para o direcionamento das políticas públicas.   A PLC 14/13 parece haver encontrado séria resistência no órgão de cúpula da função Judiciária (STF), que tem como uma de suas metas promover a efetividade das normas constitucionais e acentuar o processo de constitucionalização das normas de menor hierarquia, que dela não pode afastar-se.   O ministro Gilmar Mendes, em caráter liminar, suspendeu a PL mencionada até que o Supremo julgue o mérito após sua aprovação na Câmara dos Deputados e antes da deliberação pelo Senado federal, institucionalmente a Casa revisora que em tese funciona em um processo de abafamento quanto aos arroubos da primeira.   Vale lembrar, que nosso sistema constitucional admite o controle prévio dos atos parlamentares, admite o controle político-preventivo, mas não resta dúvidas tratar-se de medida excepcional que só deve ser excepcionada a partir de fundamentos sólidos de "fumus boni iuris" e "periculum in mora" sob pena de se revelar uma intromissão odiosa e inadmitida pelo princípio da separação dos poderes.   Há que se deparar com situação de extrema e descarada violação ao Estado Constitucional Democrático de Direito para que o controle político-preventivo não configure excesso de poder. Neste momento o bom-senso albergado no princípio da razoabilidade será sempre um fiel condutor para que não se tangencie o campo da desproporcionalidade.   Adotamos dois sistemas de controle de constitucionalidade, a regra, que é jurídico-repressivo, e excepcionalmente, o político-preventivo, e são nestes termos que suspender em caráter de excepcionalidade a tramitação de um projeto de lei antes de sua deliberação pode configurar minimamente uma medida antipática aos olhos do parlamento até mesmo o descompassado excesso de poder jurisdicional, em um exemplo de ativismo político que não se afigura desejado e que pode representar um impedimento a livre iniciativa legislativa. Sem a deliberação do Senado Federal ainda não se pode averiguar o texto como pronto, já que o Senado Federal poderia impelir-lhe alterações substanciais.   De acordo com o texto aprovado pela Câmara o parlamentar que trocar de partido durante o mandato não leva para a nova legenda o tempo de televisão e a fatia correspondente de recursos do Fundo Partidário ficando estes recursos no partido que o elegeu. Este ponto há que se entender em fina sintonia com os termos da fidelidade partidária e, portanto fiel a melhor exegese que se deve proceder nos termos inclusive defendidos pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal.   Ao justificar a concessão da liminar, o ministro Gilmar Mendes alegou que a aprovação do projeto causará desequilíbrio no tratamento de legendas: "A aprovação do projeto de lei em exame significará, assim, o tratamento desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura. Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos".   Problema que merece análise é o relativo aos fundos partidários de campanha, que vale dizer, admite doações públicas e privadas. O fundo é composto por verbas que advém de multas e penalidades aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; de recursos financeiros destinados por lei; de doações de pessoa física ou jurídica; e de dotações orçamentárias da União. Este particular assunto já foi fruto de debate e se revela até hoje polêmico pela utilização de dinheiro público a subvencionar partidos políticos não se fiscalizando suas reais finalidades.   A distribuição do fundo partidário segue critérios estabelecidos por lei, no caso a Lei 9.096/95, onde 5% do total do Fundo Partidário serão entregues, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, e 95% serão distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.   A Resolução 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), admite expressamente a desfiliação partidária no caso de criação de novo partido político, mas não prevê como ficaria a distribuição do fundo partidário para um partido recém-criado, que haja percebido a adesão de deputados provenientes de outros partidos. Este novo partido teria direito ao valor proporcional dos votos obtidos por estes deputados na distribuição do fundo? Os votos não pertenceriam ao partido original nos termos principiológicos da fidelidade partidária?   A lei 9.096/95 dispõe sobre a distribuição do fundo partidário no caso de fusão e incorporação dos partidos políticos, onde os votos obtidos por eles, na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, devem ser somados, para efeito do funcionamento parlamentar, da distribuição dos recursos e do acesso gratuito ao rádio e à televisão. E quanto a criação de novos partidos? A Lei é omissa.   O entendimento que julgo melhor é o que atribui a partidos políticos é a qualidade das agremiações que passaram no teste das urnas. Agremiações que participaram faticamente de eleição popular e, por esta via democrática, tiveram eleitos seus candidatos que lhes servirão como "presentantes" do partido/agremiação e representantes da sociedade no Congresso Nacional de forma concomitante.   Trago as palavras do nobre jurisconsulto e poeta Carlos Ayres Brito: "O partido que não participou de nenhuma eleição, não contribuiu para a eleição de nenhum candidato, não constou do esquadro ideológico ou de filosofia política de nenhuma eleição em concreto, não submeteu a nenhum corpo de eleitores seu estatuto ou programa partidário. Ainda não passou pelo teste das urnas, enfim, não ungido na pia batismal do voto". Pergunto: Não atinge diretamente o princípio da isonomia partidária? Se observarmos uma isonomia material acredito que não, já que um novo partido não necessariamente há que se conferir o mesmo tratamento dispensado a uma agremiação que já possui uma história na política nacional.   Nesta senda que, em respeito a fidelidade partidária que surgiu em respeito ao eleitor, que tem o direito de escolher o candidato de determinada linha ideológico-partidária para votar e não se ver ludibriado com mudanças repentinas movidas por interesses privatistas no meio da partida, é que entendo que os novos partidos devem fazer construir suas histórias (ônus) para que possam usufruir do que os partidos de história já possuem (bônus).   Não entendo que a PL fira o pluripartidarismo já que não impede o surgimento de novas agremiações, tão somente preservando a fidelidade partidária oferta tratamento diferenciado na medida do princípio da isonomia material. Com o mesmo fundamento não tolhe o pleno funcionamento da democracia, apenas impele barreiras para o seu melhor funcionamento.   O desequilíbrio entre as legendas em uma mesma legislatura é o ônus a ser enfrentado pelo novo partido. De fato, há que se prever um fundo de participação aos novos partidos mais razoável para que indiretamente não se impeça a sua criação pela impossibilidade de sua manutenção e desta forma comprometa o Estado Democrático de Direito. É neste ponto que a omissão legislativa chama novamente o Judiciário a se pronunciar.   Vale, a título de exemplo pensar uma agremiação partidária como uma empresa que cumpre uma fundamental função em nossa democracia. Uma empresa quando nasce terá que vencer a desconfiança e as intempéries do mercado até se tornar uma grande empresa e receber os dividendos proporcionais a sua representatividade no cenário nacional. Neste período a concorrência pode parecer até desleal, mas isso se deu fruto das conquistas das empresas que já obteveram o reconhecimento do mercado, mas que um dia já foram desconhecidas e tiveram que se apresentar ao mercado.   Neste passo, por todo o exposto, que entendo haver sido desarrazoada a intervenção do STF via concessão de liminar a fim de suspender o livre andar democrático-constitucional que se estava a se estabelecer, sem que se vislumbre nenhuma grande inconstitucionalidade que impelisse o excepcional controle político-preventivo, já que posteriormente o tema receberia uma analise mais acurada e menos sumária em seu mérito.   Um ponto político com repercussão não pode deixar de ser firmemente assentado sem o qual este artigo pecaria pela ausência de completude. O ministro Gilmar Mendes concedeu a liminar levando-se em consideração o entendimento logrado pelo TSE e pelo STF com relação à criação do PSD em 2011, a partir da omissão legislativa a respeito do tema. A justiça concedeu o direito a ter propaganda eleitoral na TV e financiamento público proporcionais à sua bancada na Câmara, a quarta maior, com 48 dos 513 deputados. Esta é sem sombra de dúvidas uma situação que guarda total correspondência com o que tratamos até o presente instante, criando-se nova legenda e importando de outras legendas representantes eleitos, tal qual comentamos, o que julgo equivocado e contrário às linhas principiológicas trazidas com a fidelidade partidária, contrária à isonomia material e ao que o sistema eleitoral legitimamente haveria de esperar, na forma que até o momento reverberei.   A PL em comento surge para regulamentar a questão lacunosa logo após o surgimento do PSD, sem conceder os mesmo privilégios aos novos partidos, o que de fato pode revelar-se uma PL com fins políticos casuísticos, já que para a criação do PSD, que seria interessante a maioria da situação e prejudicial à oposição, em especial ao DEM, propiciou-se a igualdade formal e ignorou-se a fidelidade partidária. Agora surge esta PL para dar tratamento oposto ao assentado em 2011 pelo TSE e pelo STF também no interesse da base governista sustentando as linhas da defesa da fidelidade partidária quando se criam agremiações, que nesta oportunidade os novos partidos dividiriam os partidos da base do Governo, que perderiam alguns de seus "presentantes".   Foi neste apreciar o sentido da decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes, mas ainda assim entendo exagerada a decisão liminar limitando a plena fruição do Poder Constituído sem uma inconstitucionalidade gritante, apenas indo de encontro as decisão anteriores proferidas no âmbito jurisdicional son o pálio de um preponderante viés político.   Após a defesa da fidelidade partidária, na defesa de uma fidelidade intelectual, percebe-se que há sim casuísmo político ínsito a esta PL, mas que só foi oportunizado a partir de decisões judiciais, que entendo equivocadas por parte do TSE e do STF, e neste passo que, a partir de uma necessária ponderação principiológica de interesses em não se percebendo nenhuma inconstitucionalidade aviltante, haver-se-ia de se ver respeitada a livre iniciativa legislativa e pronunciar-se apenas quando da análise meritória, jamais em caráter liminar. Nestes termos que sustento. 

17 maio, 2013

PEC 142/12. A verdadeira PEC Contra a Impunidade Ainda não foi Proposta

A PEC 142/12 ao leigo, ao desavisado pode parecer a partir de uma leitura perfunctória uma proposta com vistas à moralização da vida pública do país no combate a impunidade. Ledo engano, a PEC 142/12 é a PEC do engodo.

Percebam como uma leitura desatenta pode beneficiar os que buscam trabalhar pautados na ignorância alheia e pode promover conclusões precipitadas. Ao se observar o discurso do proponente da PEC mencionada e de seus defensores faz parecer que o CN finalmente começa a trabalhar pelo fim da impunidade dos "crimes aristocráticos", mas basta a leitura mais atenta da ementa da PEC para o retorno a realidade. A PEC 142/12 extingue o foro especial por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses de crime de responsabilidade.

A Constituição Feral prevê como juízo natural para o processo e julgamento do Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, o Senado Federal (art.86), havendo, anteriormente, o juízo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados.

Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais, e sociais e o cumprimento das leis e decisões judiciais. A Constituição prevê em seu art. 52, parágrafo único, as duas sanções autônomas e cumulativas a serem aplicadas na hipótese de condenação por crime de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública. Vale ressaltar que incluso nas funções públicas estão às oriundas de concurso público, ou funções que se originam de confiança e mandatos legislativos. Em apertada síntese os crimes de responsabilidade devem ser entendidos os praticados por agentes políticos (agentes que estão no ápice da hierarquia do órgão a que pertençam).

O mais importante da PEC não é propriamente a ideia de se extinguir o "foro por prerrogativa de função", mas a situação excepcionada para o crime de responsabilidade. A PEC tão apenas propõe retirar o "foro por prerrogativa de função" dos senhores "aristocratas" no concernente aos crimes comuns (um pequeno avanço), já os crimes de responsabilidade, de improbidade administrativa permanecerão entocados em suas prerrogativas/privilégios a espera da prescrição.

Os verdadeiros crimes geradores de impunidade hoje não são os crimes comuns praticados pela "aristocracia política", mas, precisamente, os excetuados pela PEC, crimes de origem funcional, onde o criminoso se aproveita do cargo ou mandato que ocupa para autobeneficiar-se. Estes quando não arquivados, quando não são frutos de absolvições por "ausência de provas", prescrevem. Destes, nem essa PEC nem nenhuma outra se aventura, uma espécie de "temática de convento", que deve se manter na pureza, virgem e intocada.

Certo que, juridicamente, o entendimento dominante é de que o "foro por prerrogativa" trata-se de uma proteção funcional e não da pessoa, que será processada e julgada por órgãos jurisdicionais superiores. Esta foi uma explicação "politicamente correta" encontrada pelos jurisconsultos para falar à sociedade que não se trata de um privilégio pessoal do processado, embora não seja esta a conclusão que se chega ao se tomar por conta o número ridicularmente ínfimo, absolutamente desproporcional de condenações.

Particularmente tenho minhas dúvidas da valia que seria a decretação do fim do "foro por prerrogativa de função" dos moldes atuais. Não comungo com os que sustentam ser essa a solução para a impunidade dos crimes da "elite política". Não entendo que nosso sistema jurisdicional inchado de possibilidades recursais e carcomido pelo tráfico de influências promoveria uma salutar melhoria, por exemplo, no número de arquivamentos e prescrições em seu longo percurso processual. A pressão em um órgão jurisdicional de 1º grau (juiz monocrático) ao julgar um senador, um ministro de estado ou um presidente da República, seria, absurda, e sem a transparência necessária este quadro pífio de condenações continuaria como a dos hodiernos dias. Imaginem a Ação Penal 470 (julgamento do Mensalão) correndo em 1º grau de jurisdição o longo caminho que deveria percorrer para alcançar os órgãos jurisdicionais superiores e seu consequente trânsito em julgado. Prescrições ou mesmo pela morte de réus por velhice seriam os finais mais comuns.

Aos crimes de raiz política, aos crimes de poder, há que se promover uma resposta jurisdicional ágil à sociedade, afinal são crimes praticados por agentes investidos em seus cargos ou mandatos que se utilizam da máquina pública para se autolocupletarem do erário e promoverem outras facilidades que transitam nos campos da imoralidade e da ilegalidade com grande desenvoltura.

Proposta. Uma PEC que visasse o combate a impunidade, como querem dizer os defensores desta PEC do engodo (PEC 142/12), elencaria entre os crimes imprescritíveis os crimes político-funcionais, os crime de responsabilidade, de improbidade administrativa (ao lado do Crime de Racismo e de Ação de Grupos Armados, hoje imprescritíveis). Promover-se-ia um prazo decadencial (próprio) para o órgão jurisdicional se pronunciar, sob pena de responsabilidade funcional do prevaricador, com penalidades que iriam de uma exemplar multa (característica pecuniária), até sua exclusão funcional dos quadros sem direito a percepção de proventos, após abertura de processo administrativo que oportunizasse sua ampla defesa. Os processos seriam todos abertos a sociedade sem a possibilidade de decretação de segredo de justiça como forma de se preservar a inegociável transparência, como forma de controle da sociedade no tocante aos atos de Estado.

Uma PEC nestes moldes, pouco ou nada importaria a permanência ou não do "foro por prerrogativa de função", já que a imprescritibilidade do delito somado ao prazo decadencial para o devido pronunciamento jurisdicional, sob pena de exemplares punições, somando-se a uma ampla publicidade bastaria para que os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência fossem atingidos. Não custa lembrar que, estes são princípios de observação obrigatória pela Administração Pública ("lato senso") e positivados no caput do art. 37 da CRFB.

Pergunto: Algum parlamentar se aventura na proposição de uma verdadeira "PEC contra a impunidade" nestes moldes moralizadores? A sociedade como legítima detentora do poder pode se organizar e exigir de seus representantes uma proposição deste talante.

14 maio, 2013

PEC 99. Ah PEC PEC PEC...

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 99/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), que inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal.

Entre as entidades estão, por exemplo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional. A proposta será analisada por uma comissão especial e, em seguida, votada em dois turnos pelo Plenário.

Hoje, só podem propor esse tipo de ação: o presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; governador de Estado ou do Distrito Federal; o procurador-geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A PEC dispõe sobre a "capacidade postulatória" das associações religiosas para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC ou ADECON) de leis e atos normativos.

Juridicamente a justificação da PEC quando fala em "capacidade postulatória" peca pela ausência de precisão. Em verdade, a capacidade postulatória (capacidade para ajuizar uma ação e promover a defesa de interesse seu ou de outra(s) pessoa(s) em juízo) pertence aos advogados, com raras exceções expressamente dispostas no ordenamento sem que se possa cogitar desta que ora tratamos. Quis o nobre relator da justificativa da PEC falar em legitimidade ativa para por meio de advogado constituído propor as mencionadas ações de controle concentrado.

Caso aprovada a PEC, após passar pelo rito próprio de deliberações e votações previsto na CRFB, as associações religiosas de âmbito nacional ostentariam o posto de legitimados especiais, querendo isto dizer que poderiam propor as ações de controle concentrado mencionadas quanto fizessem a comprovação da pertinência temática, demonstrando a correlação entre as finalidades estatutárias da associação religiosa e a disciplina da norma que se questiona a constitucionalidade.

De fato, a pertinência temática julgo ser um primeiro empecilio para que esta PEC seja aprovada, e digo isto por uma questão de razoabilidade. Suponhamos, a título de ilustração, que as associações religiosas façam constar em seus estatutos que sua finalidade é a defesa da vida, da moral e dos bons costumes, quando o Estado não poderá negar-se a registrá-las nesses termos, vale salientar. Neste momento, dada a amplitude de sua finalidade, estas associações religiosas de âmbito nacional teriam como comprovar pertinência temática para quase todas as ações de modelo concentrado que se pudesse cogitar a partir de uma cosmovisão religiosa capaz de incluir quase todos os aspectos da vida.

Passariam as associações religiosas de caráter nacional a ostentar uma legitimidade ativa, que apesar de especial, revelar-se-ia mais ampla, inclusive, que as legitimadas universais, que não precisam da comprovação de pertinência temática para a propositura das ações de controle concentrado. Há esta altura o Supremo Tribunal Federal prestaria sua atividade jurisdicional quase em tempo integral as associações religiosas de caráter nacional, desarrazoado por certo.

Imperiosa seria, por obvio, a comprovação por parte da associação religiosa de seu caráter nacional, sem o que não cumpriria o requisito para proposição. Lei ou próprio STF teria que fixar o que entende por caráter nacional no tocante as associações religiosas. Para as entidades de classe, que devem também atender esse requisito constitucional, o STF estabeleceu sua representação em pelo menos 9 estados da federação para considera-la de caráter nacional, por analogia a L. 9096/95.

Esta PEC que já foi estereotipada com um sem número de apelidos vem sendo caracterizada como desvirtuadora do Estado laico por razões imprecisas, com a devida vênia. A PEC não faz em nenhum momento referência por predileção a nenhuma forma de fé em especial, fala apenas em associação religiosa de âmbito nacional. Qualquer conclusão intuitiva não se faz merecedora de credibilidade como argumento válido.

Como a partir de uma interpretação sistemática da Constituição podemos dela retirar que adotamos o Estado laico como modelo, ainda que estejamos em um claro processo fático de laicização, intolerável seria propositura de uma PEC que privilegiasse qualquer espécie de fé em detrimento das demais. Não se revela neste formato a proposta, embora alguns juridicamente leigos vistos como celebridades pela sociedade, voltados a causas contrárias as defendidas por algumas fés religiosas, venham ignorantemente (no sentido de desconhecimento jurídico do tema) defendendo em seus artigos. A quebra da laicidade é legítima como defesa contra a PEC em foco, mas não por este argumento. Interpretar associações religiosas apenas como igrejas cristãs faz parte de uma elucubração parcial que não se pode vislumbrar da proposta (PEC).

A PEC 99/11 revela uma realidade de difícil visualização prática exatamente pela necessidade de se respeitar a fé como algo que se deve tolerar com isonomia. Não é demais assentar que, a ratio essendi da PEC em comento foi sedimentada a partir da decisão do STF no tocante a possibilidade constitucional de união civil estável entre casais homoafetivos. Algumas siglas notoriamente representam a grande oposição a esta possibilidade aberta a partir da decisão do STF, outras, com uma ortodoxia menos latente, respeitam as diversidades e acolhem a ideia com maior naturalidade.

A laicidade significa que as religiões devem estar protegidas da interferência abusiva estatal em suas questões "interna corporis" e o Estado deve manter-se neutro em relação às diferentes concepções religiosas se mostrando distante de influências indevidas. Se o STF vier a aceitar a legitimidade ativa para controle concentrado de uma associação religiosa defensora de uma fé acabará por privilegiá-la em detrimento de outra defensora de concepção dissonante revelando um comportamento não isonômico e não laico, quando a outra concepção de fé terá apenas a figura do "amicus curiae" (participação menor na ação de controle concentrado) como forma de democratizar sua opinião (não isonômico e não laico). Esta é uma posição pessoal.

Quando o STF disse constitucional a união civil homoafetiva, embora tenha admitido a CNBB na figura de "amicus-curiae", seus argumentos de fé não puderam ser levados da intima convicção dos magistrados à fundamento da constitucionalidade do controle proposto.

O ponto fulcral inegociável, a verdadeira pedra de toque da questão, é que um Estado laico deve se manter distante das razões e fundamentos que a fé religiosa promana, tanto que as questões de fé não podem servir como fundamento de qualquer decisão judicial. Os argumentos de fé que porventura fundamentem o objeto do controle concentrado de constitucionalidade não poderão fundamentar a decisão. Uma decisão fundamentada nestes termos deve ser tida como nula.

Em se aprovando a PEC 99, entendo que apenas as questões de ordem objetiva desligadas da fé poderiam ser aceitas como objeto de controle concentrado de constitucionalidade, como a referente às imunidades tributárias, a título de exemplo, jamais objetos subjetivos com primazia na fé. Não se pode aceitar a adequação da lei a "moral religiosa".
A separação entre Estado e religião, entendo, seja o argumento mais forte para que esta PEC não encontre êxito apesar da enorme bancada religiosa no Congresso, considerando todas as implicações arroladas de um Estado em processo de laicização.

Termo que concluo que, o interesse em inserir as associações religiosas entre as legitimadas ativas para o controle concentrado revela-se diminuto ao se excluir as questões de fé dos pronunciamentos do Estado, que deve se pronunciar nesta seara apenas no sentido de reafirmar a laicidade nos termos da Constituição Republicana. Nesta toada entendo a PEC tendente a inconstitucionalidade a partir de uma interpretação sistemática do texto constitucional.

05 maio, 2013

PEC 143 nos Ventos das PECs 33 e 37

Em tese o criador “intelectual” do monstro jurídico da PEC 33/11, o Deputado Nazareno Fonteles do PT parece insaciável, e volta a atacar, agora propondo a PEC 143/ 12.
Há de se considerar sua mais nova obra legiferante como um monstro aparentemente menos assustador, se tomado como referencial comparativo a PEC 33/11, mas não devemos julgar pelas aparências, que estão sempre a nos revelar superficiais e tendentes a enganosidade, ao erro. Para uma cognição minimamente satisfatória do tema há de se analisar o aspecto meritório da proposta, sem o que, inviável qualquer juízo de valor definitivo merecedor de credibilidade.
A Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 143/12, que altera a forma de escolha dos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos tribunais de contas da União (TCU) e dos estados.
A PEC fixa o mandato desses ministros em sete anos, vedada a recondução e o exercício de novo mandato. A regra passaria a valer para os nomeados depois que a norma entrar em vigor. Atualmente, como é de conhecimento comum, a Constituição garante vitaliciedade para os integrantes da magistratura e dos tribunais de contas.
Pelo texto, os ministros do STF serão escolhidos, de forma alternada, pelo presidente da República e pelo Congresso Nacional. Atualmente, a Constituição Federal determina que essa escolha seja feita exclusivamente pelo chefe do Executivo, com aprovação dos nomes pelo Senado. Pela proposta, a aprovação pelo Senado continuaria a ocorrer.
A PEC determina que, sempre que a escolha couber ao Congresso, ela será alternada entre a Câmara e o Senado. Além disso, os ministros do STF ficariam impedidos de exercer mandato eletivo ou tomar posse em cargo em comissão na administração pública pelo prazo de até quatro anos após o término do mandato.
Em relação aos ministros dos tribunais de contas, permanece a regra atual segundo a qual esses ministros serão escolhidos na seguinte proporção: um terço pelo Poder Executivo e dois terços pelo Poder Legislativo.
Nos estritos termos da PEC 33/11, a PEC 143/12 propõe a mesma justificação oficial, o ativismo judicial. Quando discorri em artigo dedicado a PEC 33/11 delimitei o que seria ativismo judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Reverberei o erro analítico que seria analisa-lo de forma pejorativa, já que o Judiciário, em especial o STF, apenas o implementa a partir das omissões e procrastinações das demais funções de poder (Executiva e Legislativa) nos termos dos mandamentos da Constituição Cidadã de 1988, que como é consabido adotou um modelo social, prestacional.
Com a PEC 33/11, o nobre deputado Fonteles tornou-se a mais reluzente celebridade política do momento, repartindo os prestigiosos holofotes da sociedade com o não menos iluminado Feliciano. Pretende precipuamente aquele, a partir da PEC 33, retirar o primado constitucional do Judiciário de ter a última palavra, retirar do Judiciário a força para impor o princípio da moralidade pública às demais funções de Poder, ignorando as cláusulas pétreas que são o princípio da separação de poderes e o Estado Democrático de Direito, pretensão que encontrou uma resposta social avessa às suas elucubrações legislativas.
A PEC 143/12 possui o mesmo fundo intelectivo pouco apreciável. Se determinar mandato fixo para os ministros do STF não é de todo equivocado, faz parte de um rodízio democrático já praticado em países como a Alemanha, Portugal, Espanha, Chile, entre outros, porém o aspecto temporal diminuto (7 anos) e o formato proposto de indicação revelam-se carcomidos pela política.
A proposta de não vitaliciedade, de fato poderá promover um arejamento democrático aos quadros do STF, embora possa comprometer o inegociável, a independência funcional, já que segundo a proposta após 7 anos o ministro afastado entrará em um processo de “quarentena” de 4 anos dos serviços públicos e precisará ter construído uma boa relação política para sua reinserção, aproveitamento no mercado, promovendo um iminente perigo de deturpação de suas íntimas convicções pelas vindouras e deletérias influências políticas ainda quando de seu mandato produzindo entendimentos mais políticos que propriamente jurídicos.
Some-se a isso o fato de que essa alta rotatividade em espaços temporais curtos acabará por levar ao STF pessoas com um “notório saber jurídico” questionável, já que não possuímos em cada esquina um jurisconsulto com a envergadura para ocupar uma daquelas cadeiras Supremas.
Delimitando-se nos parcos 7 anos de mandato, o rodízio revelar-se-á exacerbado e não se conseguirá construir maiorias plenárias com uma mínima solidez temporal, o que fará gerar um processo delicado de insegurança jurídica desfavorável às relações sociais. Uma temática pacificada hoje com determinada composição plenária poderá ser severamente modificada a partir de um pleno sistematicamente alterado, comprometendo a paz social de relações já acomodadas no seio jurídico-social. As respostas jurídico-sociais não podem sofrer dissonantes perturbações de sentido em períodos de tempo tão exíguos. Talvez o prazo de 15 anos revelar-se-ia uma proposta mais fidedigna de apreciação.
O ponto que merece críticas mais severas com maior eloquência extrai-se da forma de indicação. Hoje o Chefe do Executivo é pessoalmente responsabilizado por suas escolhas a depender da leitura que a sociedade fizer, se uma escolha nos termos da Constituição a partir de uma “notório saber jurídico” e reputação ilibada ou se por simples razões políticas, o que deveria, em tese, promover um freio no ímpeto de se aparelhar ideologicamente o Supremo, o que não tem ocorrido, diga-se de passagem. De fato, não é isso que vem se sucedendo quando temos visto nomeações por critérios estritamente político-partidários, lamentavelmente.
Ocorre que, a proposta nos termos da PEC em comento representará irrefutavelmente a morte de um Supremo Tribunal Federal independente, que utiliza das razões de direito, inclusive para desinfetar as razões da política e promover a paz social a partir de suas decisões. A inserção política do Congresso Nacional que se somará alternadamente a já política Presidência da Republica promoverá uma irremediável politização da justiça e o fim do processo de moralização da política recém iniciado pelo Supremo Tribunal Federal.
O Legislativo, em particular o Congresso Nacional, revela-se a função de poder mais irresponsável da estrutura tripartite traçada por Montesquieu. Além de contar com as inúmeras imunidades por “prerrogativas de função”, seus membros podem se esconder por detrás de deliberações majoritárias, em tese legítimas, já que a sociedade, com o voto, lhes concedeu uma procuração para atuar com totais poderes, sem restrições, inclusive sem a necessidade de observância do que se revela razoável até mesmo para o senso comum , a razoabilidade que é justamente o sindicado pelo Judiciário e que buscam através de PECs constitucionalizar a inoperância dos poderes  de sindicabilidade do Supremo e do Ministério Público, verdadeiros calos das práticas imorais a serem neutralizados.
É mais que claro que um STF escolhido pela Presidência, e de acordo com a proposta, alternativamente, pelo CN, fomenta um STF subordinado as razões de ordem política. É mais que notória a tentativa de se modificar implicitamente o texto constitucional como forma de burlar a cláusula pétrea que constitui o Estado Democrático de Direito implementando-se faticamente um “Estado Político Constitucionalizado”, e para isso o Congresso de mãos dadas com o Executivo utiliza das PECs como instrumento.
Neste continuar teremos um Estado Democrático de Direito apenas escrito no papel, quando de fato viveremos uma Constituição ideológico-partidária atendendo aos interesses políticos da situação.
A sindicabilidade que o Direito passou a implementar nas razões políticas desviadas do interesse público pondo em cheque a clausula implícita que vigia de impunidade dos membros de poder passou a se revelar um entrave a ser eliminado. É em verdade, uma ação que procura promover a fluidez do mais probo senso de ética do STF a fim de se harmonizar com as negociáveis éticas das demais funções políticas de poder.
Impublicáveis são as possibilidades que se abririam de negociações para o CN implementar a escolha de um nome para a sucessão no STF, que cumpriria o restrito mandato de 7 anos necessariamente mais comprometido com as causas políticas e menos com o Direito. Por certo, calando-se o MP com a PEC 37, apagando-se as luzes do Judiciário com as PECs 33 e 143, nunca mais veremos um político da situação nem denunciado nem muito menos condenado, ou lato senso, uma causa de interesse político- governista rejeitada. Uma legítima e constitucionalizada democracia unipartidária, que feriria implicitamente o democrático pluripartidarismo (clausula pétrea) com todos os instrumentos para democratizar o formato absolutista de governar pela perpetuação no poder, sem que possam ser sindicáveis seus métodos pouco ortodoxos contrários ao interesse público e ao Estado Democrático de Direito, que a esta altura já vivenciaríamos o “Estado Político Constitucionalizado” referido.
O STF vale dizer, ao contrário do que muitos imaginam entender, é uma instituição contramajoritaria na defesa precípua do interesse das minorias. A escolha de seus membros não precisa seguir critérios políticos de determinada ideologia partidária majoritária para ser democrática, senão aos critérios traçados pelo constituinte originário, precipuamente os de “notório saber jurídico” e reputação ilibada, o primeiro com certa carga de subjetivismo conforme se viu em algumas das últimas nomeações e em nomes ventilados para as vindouras sucessões.
A escolha, ao contrário, deveria ser de precípua responsabilidade do Judiciário, única função capaz de avaliar com alguma precisão o critério “notório saber jurídico” com alguma excelência lógica, ainda que posteriormente passasse por uma sabatina congressual como forma de se praticar a teoria dos “checks in balances”. Ao legislativo seria dada a oportunidade de rejeitar mediante alguns dos fundamentos que seriam taxativamente elencados, concedendo-se prazo para o STF dizer (pronunciar-se) sobre a rejeição. Não acolhida a rejeição valeria a escolha perpetrada pelo Judiciário, já que trata-se de membro escolhido para a função judicante e não para uma função política.
A luta para a sociedade hoje deve estar focada para manutenção de um Judiciário independente, decidindo segundo os termos do melhor direito. As razões de ordem política se não desconsideradas ao menos sempre subordinadas às de Direito no momento de decidir, sendo certo que o ordenamento que servirá como fundamento das decisões no âmbito da justiça passou pelo crivo de uma estrutura democrática de aprovação nos estritos termos da CRFB, e já recebeu a legitimação democrática da sociedade e sua carga político-valorativa quando de sua formação, que em regra conta com a participação do Executivo e sempre com a do CN (no caso de lei federal).
Hoje a maior ameaça ao melhor funcionamento das instituições e da própria sociedade tornou-se o “ativismo político” na justiça. Se estas PECs de cunho político forem aprovadas as razões de Direito restarem subordinadas aos interesses políticos e passaremos a viver em um Estado despótico político sob o pálio de uma criada “constitucionalidade” voltada perpetuação da impunidade.