06 junho, 2012

PRERROGATIVAS DE FUNÇÃO, UM MAL REPUBLICANO APENAS POR ENGANO...

Tecnicamente “foro por prerrogativa de função”, popularmente “foro privilegiado”. Revela-se consabido, que a versão técnica da expressão melhor encarna seu papel de  índole constitucional, tendo em vista buscar-se não propriamente a proteção subjetiva da autoridade, mas objetiva da função. O foro por prerrogativa permite a algumas autoridades enumeradas na Constituição e repetidas nos âmbitos dos estados não serem julgadas pelos órgãos de 1ª instância, mas por órgãos de competência originária diversa previamente definido, a fim de que não se criem tribunais de exceção. Faço lembrar ainda, que apenas aos chamados crimes de responsabilidade e aos comuns são conferidas tais prerrogativas.

Feita essa satisfatória introdução passam-se às críticas. Essa forma de proteção à função foi criada com a Carta Republicana de 1988. As Cartas anteriores em nada diferenciavam quanto a esse aspecto e nem por isso as funções agora “protegidas”, como as funções de deputados e senadores, eram menos independentes ou de liberdades mais restringidas.

Acredito fielmente, que a Carta de 1988, no afã de se tornar uma Carta Republicana extrapolou em suas intenções e se fez nesse tocar mais aristocrática que se desejaria criando um número exagerado de competências originárias.

No direito comparado algumas Cartas Constitucionais possuem prerrogativas de foro, como as Cartas da França e da Itália, mas com um número infinitamente menor que a Carta brasileira, albergando apenas as maiores autoridades de alguns dos poderes instituídos... A Carta Norte-Americana não possui qualquer hipótese de prerrogativa de função, e nenhuma dessas Repúblicas são menos Repúblicas que o Brasil.

Hoje, da forma inchada que nossa Carta se apresenta, é passada a população uma ideia perigosa de impunidade aos contemplados membros de poder, que além da blindagem natural e artificial que o poder já lhes confere, contam ainda com blindagens constitucionais, irrelevantes para caracterizarmo-nos como mais ou menos República. Utilizei o plural, pois o excesso de imunidades, que não tratarei por hora, é outra característica protetiva que se revela venal e deveria subsistir apenas a casos restritíssimos que se revelassem sadios e proficientes para o bom funcionamento do sistema.

Enquanto essa situação constitucional não for revista por Emendas Constitucionais, entendo que o STF pode ter um papel determinantemente diferenciador. Melhor seria, se o Supremo passasse a entender cabível a prerrogativa de foro apenas para os casos de delitos cometidos em razão do ofício, no desempenho do cargo do qual está investido. Seria, inclusive, uma forma de se criar um efeito dominó positivo. Mostrar ao Congresso Nacional o direcionamento que a Corte teria a partir dessa mudança de postura em seus julgados, o que traria a questão para um maior conhecimento da sociedade via mídia, proporcionando discussões e apelos com maior conhecimento de causa por parte da sociedade por mudanças, o que faria surgir vozes concordantes no Congresso dispostas a ouvir os apelos da sociedade e do Supremo, para que rumos protetivos de poder menos hiperbólicos se tornassem uma nova tendência, alterando a tônica de nossa realidade aristocrática.

Essa mudança de postura tornaria, por exemplo, os Tribunais Extraordinários menos assoberbados com essas causas originárias, propiciando muito mais tempo para as discussões de relevante interesse social, que essas Casas estão vocacionalmente compelidas por força da Constituição. Hoje os ministros do Supremo, em sua grande maioria trabalham com juízes instrutores (auxiliares), que fazem toda a instrução desses processos originários, o que indelevelmente quebra o princípio da identidade física do juiz, não se formando um convencimento motivado pessoal, mas em parte emprestado do juiz instrutor. Apenas os Ministros Celso de Melo e Marco Aurélio não se utilizam desse expediente e fazem pessoalmente toda a instrução processual.

Por enquanto, certo é, que o Congresso parece tomar o caminho contrário ao que foi exposto até o momento. Há uma PEC no sentido de conferir foro por prerrogativa aos membros do CNJ e do CNMP, ou seja, aristocratizar ainda mais nossa República já tão cheia de privilégios de poder... Vencer o corporativismo dos poderes políticos, que não abdicam de vantagens protetivas, é o obstáculo a ser ultrapassado.

Talvez a solução, por hora, deva ser a criação de varas especializadas para o julgamento apenas dessas causas originárias por prerrogativa, como forma de se desobstruir as assoberbadas pautas, de modo que as Casas cumpram suas funções constitucionais precípuas com maior parcimônia e acuidade e possam promover uma maior celeridade na apreciação das matérias de real interesse público, que por vezes, duram mais de um ano para entrar em pauta para julgamento.
Admito tratar-se de um técnico, que apresenta um marcante viés jurídico, mas que a sociedade deve procurar envolver-se, pesquisar, por se tratar de assunto de interesse público, com forte carga política, que gera consequencias, inclusive, com relação às costumeiras impunidades dos membros de poder que tanto nos assola e incomoda. 

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