17 junho, 2012

SERVIÇOS PÚBLICOS INDIGNOS E O SISTEMA DE BLINDAGENS CRUZADAS

Esse post tem por objetivo combater o eloquente silêncio de quem é, dia após dia, alijado de seus direitos fundamentais, mas parece não ter voz para gritar. Dúvidas não há que mesmo para os mudos minimamente discernidos é possível gritar, basta deixar sua “desconfortável zona de conforto”, sua claudicância como membro participante de uma sociedade democrática, e acreditar que uma andorinha não faz verão, mas pode vir a servir de paradigma para outras andorinhas que porventura circundem o local, e aí sim, de andorinha em andorinha, quem sabe, o sol enfim brilhe para todos. O brasileiro comum precisa entender que deve participar do processo democrático de forma cooperativa, menos individual, onde os abusos perpetrados se façam difundir para se alcançar sonoridade aos ouvidos que se fazem entupidos no propósito de não escutar...
Que os serviços públicos prestados no país revelam-se de péssima qualidade, alguns beiram a indignidade, isso não é novidade para ninguém. O que está tomando proporções inacreditáveis é a rasteira qualidade dos serviços públicos concedidos e prestados pela iniciativa privada, que em muitos casos têm se revelado tão ruins ou piores que os públicos do mesmo setor ainda prestados. Nesse momento, não quero dizer que os serviços públicos tenham tido um ganho qualitativo, muito pelo contrário, a degradação do setor público resta inequívoca, temos a pior prestação pública de serviços entre os países em desenvolvimento, entre os países que se encontram um pouco além da mais completa linha da pobreza.
Qual morador da Zona sul do Rio de Janeiro não teve uma má experiência com o Hospital Copa D’or? Hospital pertencente a rede D’or, que, inclusive, recebeu acreditação internacional não se sabe como... Com uma tripulação de “profissionais” onde muitos são recém-formados outros residentes que ainda não conseguiram encontrar qualquer diferença entre um bisturi e um alicate. Mas essa tem sido a tônica da rede privada de hospitais no país, demitem profissionais renomados e caros para contratar moleques sem pelo na cara por 1/3 do valor para atender nas emergências caóticas pela demanda e pela qualidade dos profissionais “selecionados”.
Hospitais tidos como referência, como os da Rede D’OR, com a maioria de suas unidades, inclusive, com acreditação internacional, vêm firmando uma política de demissões em massa para reduções de salários. Demitem-se funcionários experientes e capacitados, com estudos desenvolvidos e reconhecidos no exterior, para contratar, por 1/3 do valor, profissionais recém-formados e até mesmo residentes, que não conseguem diferenciar um bisturi de um alicate... Nas emergências a situação é ainda mais caótica... Com esperas muitas vezes mais longas, que as indignas suportadas em um hospital público, os erros de diagnósticos, de requisição de exames, de cuidados medicamentosos, as negações de atendimento (...), essas realidades avolumaram-se tão absurdamente, que deixaram o campo da exceção e alcançaram o campo da regra...
E a ANS? Para que serve? Como se posiciona? Bom, essa autarquia especial é uma daquelas que mencionei de ouvidos entupidos. Criada para ser o olho da Administração Pública apurando e punindo as prestadoras dos serviços de saúde que estivessem em desacordo com as normas regulamentares, simplesmente solenemente ignoram os abusos praticados e só apuram os casos que ganham repercussão na imprensa. Não se vê um fiscal se quer em qualquer hospital, e sem esses, fica o abusado alijado do direito de reclamar da má conduta porventura perpetrada pela instituição hospitalar... A real intenção da ANS não é a defesa do consumidor do serviço de saúde, pelo contrário, seu objetivo é blindar essas más prestadoras de serviços na lógica de ruim com ela pior sem ela... E aí? E aí fod@#$% o lesado ao seu direito fundamental à saúde... Intervenção? Acho que nem “Poliana” albergaria uma positividade tão longe da realidade...
Onde estaria então a raiz fulcral dos descasos do poder público em seus deveres de execução e fiscalização dos serviços públicos? No princípio da reserva do possível ou da reserva de consistência. Dessa inapropriada importação que a jurisprudência tupiniquim achou que deveria fazer da jurisprudência alemã, que limita as prestações sociais do Estado às suas condições econômicas e estruturais. O Estado estaria obrigado a garantir apenas o mínimo existencial (art,7º, IV, da CF) garantidores de uma vida com dignidade. O indivíduo teria como limitação o que de maneira racional poderia exigir-se como um fazer estatal.
Na realidade, o princípio da reserva do possível revela-se uma falácia importada do direito comparado, pois alberga para nossa realidade uma realidade bem distante, que é a vivida na União Europeia, em um superlativo desrespeito ao princípio da igualdade material. A jurisprudência Alemã não trabalha com serviços públicos falidos e com uma realidade social de excluídos, sem leitos suficientes em hospitais mal equipados e em boa parte insuficientemente tripulados por profissionais. Não trabalha com uma infância longe das escolas, com a subnutrição e com as mortes negligenciadas que são tão vulgares por aqui... Esse princípio, avesso a nossa realidade, é sim, um limitador a efetividade dos direitos fundamentais. O interesse financeiro-orçamentário, secundário do Estado, não pode prevalecer sobre os indeclináveis direitos à saúde e a vida.
Esse princípio, em realidade, foi absorvido pela nossa jurisprudência como forma de legalizar a omissão pela não implementação das políticas públicas estatais, interesse público primário. Esse princípio só tem cabimento se utilizado pelos profissionais de saúde, por exemplo, como forma de demonstrar a inércia do poder público em seu dever de viabilizar as mínimas condições fáticas para se concretizar os direitos fundamentais à vida e à saúde dignas, forma que vislumbro razoável para aplicação à nossa realidade, que não padece pela falta dinheiro (pagamos tributos acachapantes, quase confiscatórios), sobra são desvios de finalidades e desperdícios de dinheiro público...
Os poderes de Estado, em realidade, utilizam-se do sistema de blindagens cruzadas, um acoberta o outro, invertem valores e se afastam em bloco do interesse público, deixando a sociedade refém do sistema sem ter a quem recorrer. Fazer o que? Ou nos mobilizamos para que façamos uso da democracia de forma cooperativa a fim de se fazer barulho ou sentemos e choremos como garotos de play que sofrem bullying na escola e não tem força para encontrar meios de superar a situação... A sociedade sofre sim, uma espécie de bullying dos prestadores de serviços públicos... Reajamos!

2 comentários:

Anônimo disse...

Espetacular irmão! Análise técnica e com paixão. Muito bom seu blog, vc escreve com muita competência.

LucasMacedo disse...

Chefes de estado da Alemanha, Inglaterra, EUA e muitos outros podem não estar presentes, mas isso não desmerece o sucesso do evento.

Eu trabalho lá, eu sei. A quantidade de britânicos, americanos e alemães é absurda. Não são chefes de estado, mas sim líderes de grandes indústrias que realmente podem fazer a diferença, aplicando os conceitos de desenvolvimento sustentável em suas fábricas.