19 novembro, 2012

O REGIME MILITAR CONTADO COM AS RASURAS METICULOSAMENTE POSTADAS PELOS PODERES DE ONTEM E DE HOJE...

Depois de alguns pedidos de leitores para que eu tratasse desta inebriante temática, peço vênia e nela insiro-me sem meias palavras...
Dividirei o post em três momentos: Em um primeiro discorrerei no geral e enxertarei algumas curiosidades históricas do período; no momento seguinte, entrarei com a crítica propriamente dita e abordarei a famigerada Lei de Anistia em algumas de suas peculiaridade; e um terceiro momento... Aos trabalhos!

1º momento:
A Ditadura Militar no Brasil perdurou por exatos 21 anos e teve como fundamento ideológico declarado o iminente risco de comunismo que pairava sob o país. Seu início real deu-se em 1º de Abril de 1964, curiosamente o dia da mentira, dia, vale dizer, negado pelos militares, que pelo simbolismo negativo da data, anteciparam seu iniciar, o dia do golpe que depôs João Goulart, para 31 de março do mesmo ano.

Alforriou-nos, devolvendo-nos a cidadania, em 15 de janeiro de 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves. Notadamente foi o período de maior repressão política de nossa história, com 380 pessoas dadas legalmente como mortas, parte de guerrilheiros da esquerda, além de muitos estudantes e cidadãos comuns que eram vistos como não simpatizantes do regime. Calcula-se que em torno de 147 pessoas permanecem desaparecidas e nada se sabe do destino de seus corpos...

O regime pôs em prática vários atos institucionais, culminando com o AI-5 de 1968 com a suspensão da Constituição de 1946, a dissolução do Congresso, a supressão de liberdades individuais e a criação do CPPM (Código de Processo Penal Militar), que permitiu que o Exército Brasileiro e a Polícia Militar do Brasil pudessem prender e encarcerar pessoas consideradas "suspeitas". Os atos institucionais tinham em regra a finalidade de restringir e por vezes abolir liberdades individuais, possuindo indubitável caráter repressor-autoritário de vestes absolutistas e anti-democráticas.

Neste período de ditadura, conhecido como "anos de chumbo", aboliu-se o Estado Democrático de Direito criando-se um Estado de exceção. O executivo avocou boa parte da competência legislativa e passou a governar a partir de atos institucionais. De início a idéia era que houvesse apenas dois atos institucionais que objetivavam cassar as cabeças pensantes intitulados como comunistas ou simpatizantes, mas estes se sucederam sempre com o precípuo objetivo de consolidar o regime e expurgar qualquer espécie de resistência organizada ou não. Direitos políticos eram cassados discricionariamente, pessoas eram presas, independente de estarem em estado de flagrância ou de qualquer expedição ordem judicial, a partir de simples suspeita de resistência ou mesmo de uma feição próxima ao estereotipo de comunista. Sem qualquer direito à defesa eram taxados de comunistas subversivos, e bastava como fundamento suficiente para a restrição mais basilar das liberdades, o direito de ir e vir e autodeterminar-se. Pelo AI-1, por exemplo, quem não era a favor do regime era contra, e, portanto, considerado inimigo do Estado e de imediato tinha seu nome fichado no SNI, (Serviço Nacional de Informação). Se o fichado fosse entendido como uma cabeça pensante não simpatizante, independente de qualquer ordem judicial o SNI poderia mandar quebrar os sigilos de telefone, de correspondência e passavam a ser considerados "perigos à Segurança Institucional". Uma série de políticos tiveram seus mandatos cassados, suas famílias postas sob vigilância, alguns foram processados e expulsos do país tendo declarado seus bens indisponíveis...

O Congresso quando não estava fechado tinha uma existência "pro-forma", "para inglês ver". Completamente esvaziado de suas funções alguns oposicionistas tentavam se fazer ouvir em plenário, mas logo eram cassados. A imprensa mostrava-se favorável ao golpe, publicava apenas o que se revelava do interesse do regime dominante-repressor.

Por falar da mídia, este período da história, saliente-se, tivemos uma imprensa despersonalizada, serviente, um mero instrumento passivo de "manobras militares"... Isso só foi se alterar quando novos ares pairavam e o que tivera sido forte em outrora não mais contava com uma conjuntura internacional favorável, aí voltamos a ter uma imprensa... Aliás, a única mídia que se postou contrária ao golpe de 64 foi o jornal Última Hora, o que obrigou seu diretor a exilar-se... As demais mídias apoiaram o golpe e se auto-afeiçoaram à figura de uma foca adestrada... As manchetes no dia que se sucedeu ao golpe eram de comemoração do tipo: O Estado de S. Paulo trazia o seguinte texto: "Minas desta vez está conosco (...) dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições". No Jornal do Brasil se lia: "Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas". O Globo de 2 de abril de 1964 dizia: "Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos". E O Estado de Minas trazia em 2 de abril: "O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade". O Globo de 4 de abril trazia: "Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem".

A Assessoria Especial de relações Públicas (AERP) funcionava como uma agência de propaganda para os governos militares. O objetivo era fazer veicular publicidades que enaltecessem o regime através dos meios de comunicação.

A censura, no entanto, foi alcançar seu apogeu institucional em 1968, com a criação do Conselho Nacional de Censura. Seu objetivo? Inibir a infiltração de agentes comunistas nos meios de comunicação, que lançavam "falsas notícias de torturas e desmandos dos poderes constituídos"... Mas não foi apenas isso... Criou-se um Tribunal de Censura, com competência para celeremente julgar os meios de comunicação que de alguma forma questionassem a ordem estabelecida. Caso considerados culpados nos julgamentos parciais e sumaríssimos tinham seus meios de comunicação fechados e lacrados em nome da necessidade institucional...

A cultura censurada asfixiou-se... No dia 18 de julho de 1968 integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), grupo de extrema direita, invadem o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, espancam o elenco da peça Roda Viva, ferindo todos os integrantes, alguns com certa gravidade; a polícia, embora chamada, nada fez além de um boletim de ocorrência. A ditadura acabou por asfixiar a cultura nacional. Muitos artistas buscaram espaço para suas produções. Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo, optaram por deixar o Brasil, entre tantos outros. Gilberto Gil e Caetano Veloso, após protestarem publicamente contra a ditadura, foram presos no Rio de Janeiro no dia 22 de Dezembro de 1968. Segundo os censores e os órgãos de informação oficial, o motivo da prisão foi "tentativa da quebra do direito e da ordem institucional", com mensagens "objetivas e subjetivas à população" para subverter o Estado Democrático Brasileiro estabelecido pela "revolução". Em função da notoriedade dos artistas, foram aconselhados a se exilarem do país. No jornal Estado de São Paulo, embaixo do título da notícia, aparece uma receita de torta de abacaxi recheada com pepino.

Com a Constituição de 1967, Castelo Branco constitucionaliza a ditadura militar e o Estado de exceção. A partir da Lei de Segurança Nacional constitucionalizou-se o crime de opinião, o crime de subversão, o crime político, o enquadramento de qualquer cidadão a Lei de Segurança Nacional, sua expulsão discricionária do país, a indisponibilidade de seus bens e outras medidas mais, reveladoras da autoritária hostilidade deste período nebuloso de nossa história.
Apenas a título de curiosidade, é consabido, que o golpe e a mantença do regime contou com o inegável respaldo Norte-Americano. Aliás, uma das primeiras medidas dessa era foi a obrigatoriedade do inglês como idioma obrigatório nas escolas públicas e privadas do país, como medida de promover a cultura "tio Sam" por aqui entre os tupiniquins, o que tornou-se uma realidade irrefutável que perdura até os hodiernos dias...

2º momento:
Chegava-se a hora de despedirem-se do poder. A conjuntura mundial amplamente desfavorável aos regimes totalitários, a crise do petróleo que assolava o mundo, o endividamento brasileiro alcançando níveis alarmantes e já se vislumbrando a quebra do país, os processos de redemocratização nos países vizinhos e a redução do apoio econômico Norte-Americano ao regime, entre outras causas, fez surgir a premente necessidade da ditadura militar repassar o osso antes que tropeçassem nas próprias pernas autoritárias, mas já descordenadas... A essa altura, a própria imprensa percebeu a mudança do curso da maré e começou a preparar-se para apoiar o novo regime que estava por surgir, reduzindo a intensidade da lavagem cerebral que produzida pelos meios de comunicação sob as tutoriais ordens da ditadura.

Militares e civis que haviam torturado e matado centenas de brasileiros em paus de arara, com choques elétricos, afogamento, espancamento dentre outras técnicas passaram automaticamente a serem inimputáveis, ou seja, jamais poderiam ser alcançados pela lei de um regime democrático e julgados por seus crimes. Era uma espécie de legalização com efeitos ex tunc da impunidade e com efeitos perpétuos...

O país pode e deve envergonhar-se em especial de duas porcas decisões prolatadas no plenário do STF. A primeira foi a legitimação pela Corte Constitucional da bandalha política com o que se convencionou chamar de mensalão. A segunda, e segunda não por grau de importância, foi o reconhecimento da validade plena da Lei de Anistia. Decisões ultrajantes que merecem o mais completo asco social.

O objetivo aqui não é fazer um aprofundado estudo da Lei de Anistia, mas sim chamar a atenção da sociedade que essa não é uma causa tão apenas das famílias dos seqüestrados, torturados, metralhados e "envalados", das famílias dos desaparecidos que jamais se teve notícias, não é uma causa dos expurgados de sua nação como se nocivos criminosos fossem, como se atentassem contra a soberania institucional apenas porque ousavam ter opinião divergente, essa não é uma causa apenas dos brasileiros que tiveram suas cidadanias aviltadamente mutiladas e suas liberdades arbitrariamente cassadas; essa é uma causa sim, do povo brasileiro, que não pode comungar com a barbárie institucionalizada de um regime que em seus últimos suspiros rasurou seus contos sombrios e pactuou sonegá-los para que não saibamos nossa real história, para que nossas memórias se mostrem falhas e lacunosas, e, portanto, adormecidas pelo desconhecimento.

Os membros de poder de hoje parecem ainda conluiados com os membros de poder de ontem. Há uma necessidade mútua de mutilação de nossas histórias por seus passados que impedem que nossas memórias se completem. Os arquivos, que certamente muito tem a nos revelar, podem comprometer figuras proeminentes do presente por suas mentiras, revelar feridas podres ou que se apodreceram com o passar do tempo, não cicatrizáveis, isso factualmente gera resistência...

A sociedade não pode manter-se inerte, calada pela ignorância que nos impuseram. Foram praticados crimes contra a humanidade, que pela melhor doutrina e mais consentânea com os tratados internacionais multilaterais que o Brasil aderiu não podem ser tratados como crimes políticos, mas comuns contra a humanidade e em sua maioria imprescritíveis, como os de seqüestro (crime continuado que se protrai no tempo, enquanto não se tiver notícias da liberdade do seqüestrado).

Em 2010 a OEA responsabilizou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de 62 pessoas de 1972/75, que participaram da guerrilha do Araguaia e foram reprimidos por militares do norte do país. A sentença orienta o Brasil a investigar os crimes e indenizar as vítimas, não podendo a Lei de Anistia representar um obstáculo.

O dizer é basilar, mas servirá como fechamento deste escrito: Art. 1º, parágrafo único da CF: "O PODER EMANA DO POVO, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição". Deste artigo extrai-se duas possibilidades que chamarei de premissas: Ou o povo faz valer o seu poder através de seus representantes; ou o povo o exerce diretamente, sem representação. Para ambas a conclusão deve ser uma só: O povo só terá poder se exercê-lo, e certamente não será com a omissão de uma sociedade apática e desinteressada, em especial no tocante a sociedade pensante, que o comando constitucional deixará de se amesquinhar apenas ao texto escrito e se revelará de fato neste país...

Gostaria de acentuar o que não se pode deixar de firmar, que no momento do golpe o Brasil de fato estava entre a cruz e a caldeirinha... Não se respirava ares democráticos... Duas forças do país puxavam um mesmo cabo de guerra, o cenário era relativamente simples: De um lado a direita, que deu o golpe ao lada de representantes do capitalismo, do outro a esquerda representando o comunismo, o mundo vivia a guerra fria (USA X URSS) e se dividia... De fato não foram factoides os discursos que se faziam à época do perigo comunista. O comunismo de Cuba estava pronto para atravessar nossas fronteiras, e representava sim um perigo iminente. Talvez se o golpe não se fizesse em 1º de abril pela ditadura da direita, dia 2 a ditadura da esquerda tomasse o poder (em clara linguagem figurada)...

Viveríamos de qualquer forma um período sem o direito da palavra, um período de repressão. Eram dois infernos sem um Deus da salvação... Acabamos no inferno que certamente nos queimou, mas não nos torrou como o inferno vermelho dos comunas (opinião própria)... E faça-me o favor, não se enganem com o poder de hoje, pois o poder de hoje eram os guerrilheiros comunas de ontem separados pelos momentos da história... Pergunto: A que se deve o desinteresse do poder de hoje em mostrar com plenitude o passado de ontem? Essa resposta acredito fielmente que vocês já possuem... E será que o Brasil, no modelo comunista cubano, seria melhor que o Brasil de hoje? Essa resposta, por certo, vocês também já devem possuir... A certeza que se tem é que qualquer ditadura, seja de esquerda seja de direita deve ser execrada! Tanto os modelos stalinista como o nazista são representações máximas de regimes totalitários de repressão social que se espalharam pelo mundo em dado momento histórico, cometedores de crimes em massa contra humanidade e os mais vis desrespeitos à dignidade humana. Isso a história nos contou... Nossa ditadura não se perfez com esse extremismo, mas nossa história ditatorial foi repleta de abusos do poder e precisa ser contada e passada a limpo para que se tenha história para contar...

3º momento:
Este terceiro momento só a sociedade em sua porção integral poderá escrever... Pode revelar-se um momento digno de se pontuar ou um momento nada significativo. O apagão de nossa história precisa ser iluminado...

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