O julgamento do mensalão
encontra-se em seus últimos capítulos, mas nem por isso com debates jurídicos
menos críveis de acurada crítica.
Os
mandatos dos mensaleiros parlamentares devem ou não restar cassados
automaticamente pelo STF? A última e derradeira decisão caberá ao STF ou ao
Congresso Nacional como pretendem alguns?
O
presente artigo partir-se-á de uma lógica posta para que esta reste corroborada
pela ordem constitucional vigente que será demonstrada.
É
fato consabido, de uma regra comezinha do direito, que a última palavra cabe ao
judiciário, de que decisão jurídica não se discute, se cumpre. E quando a
última palavra emana da maior instância do judiciário nacional, guardião da
Constituição, intérprete último das normas constitucionais? E quando este órgão
máximo do judiciário está a condenar membros de um parlamento pela prática dos
mais diversos crimes capitulados no CP contra a Administração Pública, crimes
que atentam contra o erário, contra a moralidade administrativa, enfim, atos
que importem crime de responsabilidade ou improbidade administrativa, a depender
do agente praticante, seria realizável que o corporativismo político tivesse a
derradeira palavra?
Segundo
a lógica racional repara-se com razoável fluidez o indefensável argumento de
que caberia ao CN a derradeira decisão quanto à perda ou não do mandato
parlamentar. Sujeitar-se-ia a palavra da maior Corte do judiciário do país a
aprovação ou rejeição do Congresso Nacional, que teria a força de impedir um
dos efeitos secundários da decisão do Supremo.
Neste
talante abrir-se-ia a possibilidade de que razões de ordem
político-corporativas apagassem um dos efeitos secundários da decisão do
Supremo, uma ingerência “impalatável” sobre as razões de decidir da maior Corte
do judiciário do país, ingerência de outra função de poder que poderia, em
última ratio, criar inclusive um
conflito de poder (já que este é uno e indivisível).
Não
bastassem as razões de ordem lógica acostadas, o debate se dissolve, se define,
ao se colar as razões constitucionais que se passam a vislumbrar.
O
art. 15, III c/c art. 55, IV, par. 2º da Constituição da República são
suficientemente claros e objetivos para se afirmar que a decisão final cabe ao
Supremo Tribunal Federal e não ao CN, como desafio demonstrar.
Para
início de conversa, defende-se a corrente do não cabimento de recursos com
efeito modificativo da decisão do Supremo. Defende-se o não cabimento de
Embargos Infringentes pelas razões que expus em outro artigo de minha autoria,
que em rápida exposição fiz demonstrar que dispositivo do RISTF que autorizava
os Embargos Infringentes, impropriamente (já que ao STF não cabe legislar em
matéria processual), restou revogado. Sucedeu, que referido dispositivo de RISTF
restou revogado por posterior Legislação Processual Federal que tratou
exaustivamente de matéria processual nos tribunais, que solenemente ignorou esta
possibilidade recursal da decisão plenária do STF. Outras razões há no artigo
mencionado, se esta não se revelar suficiente, momento que se remete ao artigo
próprio: “A Razoável Duração do Processo Como Princípio a Ser Perseguido e o
Julgamento do mensalão”.
Desta
feita, entendo cabíveis tão apenas o recurso de Embargos de Declaração em
preenchidos seus requisitos de interposição, recurso que não terá o efeito
modificativo apto a transmudar uma condenação em absolvição.
Nesta
seara que se defende, admito, com respeitáveis discordâncias doutrinárias, que
passado o prazo para interposição dos ED ou julgados estes, ter-se-á o transito
em julgado da decisão, não sendo mais os Embargos Infringentes recurso hábil
para manuseio pela parte condenada.
Deixando-se
de lado as razões que a lógica temperadas com alguns clareamentos jurídicos que
se fizeram necessários, passemos a fundamentar nossa posição por argumentos
notadamente jurídicos.
O
art. 15, III da CRFB é de clareza meridiana e promana em seus termos ser vedada
a cassação de direitos políticos, cuja suspensão ou perda só se dará nos casos
enumerados nos incisos. O inciso III traz a hipótese da condenação criminal
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Já o
art. 55 do mesmo diploma causa uma certa confusão se interpretado por um leigo
ou por um intérprete eivado do câncer da parcialidade ideológica, que se
profissional do direito, acabo por tempera-lo como intelectualmente desonesto.
Por este, em seu inciso IV, perderá o mandato o deputado ou senador que perder
ou tiver suspensos seus direitos políticos.
Amarrando-se
o art. 15, III com o art. 55, IV, parte da questio
iuris já se revela solucionada. Revela-se por inteiro, no entanto, quando
se aduz a leitura do par. 2º do mesmo art. 55. Segundo ele, nos incisos I, II e
VI a perda do mandato será decidida por uma das Casas do Congresso Nacional, à
depender de que Casa o parlamentar seja membro. Em nenhum momento se cogitou do
inciso IV como uma competência do CN.
O
conflito surge, entretanto, se observarmos o inciso VI do mesmo par. 2º, donde
se exsurge que caberia ao CN a decisão sobre a perda do mandato. O conflito se
apresenta, pois, como demonstrado, o art. 15, III fala da perda dos direitos
políticos a partir de condenação criminal transitada em julgado, que se fez
corroborado pelo art. 55 em seu inciso IV. Ou seja, há um paradoxo legislativo
a ser superado pelo STF.
E
como se resolver esse aparente conflito de normas constitucionais? Deve o
Supremo proceder como intérprete constitucional da Carta Maior, sem os viços da
política e com as razões que o direito lhe fornece, para esclarecer que o
pronunciamento do CN será apenas declaratório da decisão do STF, já que, desta
solução, não se poderá afastar-se. Ao legislativo caberá apenas o cumprimento
da decisão judicial.
Não
há como um parlamentar que perdeu seus direitos políticos manter-se parlamentar
sem seus direitos políticos, revelar-se-ia um paradoxo com sérias tendências a
surrealidade ou a esquizofrenia patológica, não apenas do ordenamento como de
seus defensores.
Por
último, vale lembrar a Lei da Ficha limpa, que impede candidatos com decisão
condenatória confirmada por tribunal, praticantes de determinados crimes lá elencados,
em sua maioria contra a Administração Pública, de se candidatarem. Como
imaginar manter no cargo um parlamentar condenado pela maior instância do
judiciário nacional que não possuirá mais seus direitos políticos?
Inconciliável. Esta possibilidade corporativa não pode caber ao Congresso
Nacional decidir.
Cabe
a imprensa fazer-se isenta e informar com lealdade. Cabem aos profissionais do
direito não utilizarem de má-fé intelectual de modo a não subverter a opinião
pública com inverdades.
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