17 dezembro, 2012

OS ERROS DE UMA DEMOCRACIA SACI. UMA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.


Corrupção significa quebrado em pedaços e em uma segunda acepção apodrecido, pútrido. 
“Quando o poder conduz o homem para arrogância, a poesia lembra-o de suas limitações. Quando o poder estreita as áreas de interesse do homem, a poesia lembra-o da riqueza e da diversidade de sua existência. Quando o poder corrompe a poesia limpa”, (por John F. Kennedy – 26/10/63).
“Quando os homens são puros as leis são desnecessárias, quando são corruptos as leis são inúteis”, (por Benjamin Diereali – 1881).
“O surgimento das sociedades organizadas corromperam o homem levando-o para um estado de barbárie”, (por Jean Jacques Russeau).
De fato precisaríamos de uma reforma profunda a começar por nossa atual Constituição Republicana, que não pode ficar restrita ao espírito, mas sim se corporificar por normas. Seus valores devem se normatizados para se alcançar uma maior efetividade em seu poder de imperatividade, de coerção.
Feita ainda sobre os ares sombrios de uma ditadura que ainda cafungava no cangote concedeu-se uma autonomia e uma proteção excessivas a algumas funções de poder que se tornaram cínicas, imorais e prepotentes por essência.
Perfez-se um diploma extremamente inchado, que trata em um sem número de momentos de assuntos sem qualquer viés constitucional, apenas formalmente constitucional por lá se incluir, mas notadamente infraconstitucional em seu aspecto material, criando-se um diploma menos focado do que de deveria para as questões imperativas de Estado.
O art. 37 da CF, que sofreu inúmeras alterações com a EC 19/98 sim, deveria orientar todos os demais artigos constitucionais quando se referisse a atuações de qualquer de funções de poder, não apenas principiologicamente como faz para uma melhor exegese das regras constitucionais, mas sim revestido como fator a preponderar no momento da própria criação e alteração destas.
Quero dizer, que os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência devem perder suas ínsitas cargas de abstração e ganhar concretude direta e imediata em cada dispositivo do ordenamento. Dever-se-ia dispensar o judiciário de ter que pronunciar-se pela aplicação de dados princípios quando violados, encontrando-os já inseridos em cada dispositivo da Carta Maior e consequentemente na Legislação infra.
Sua violação representaria a violação direta de alguma norma constitucional e de seus corolários legais, em um sistema que se integraria, que se apresentasse sem lacunas propiciadoras dos desvios funcionais e de interesses, um verdadeiro câncer organizado de poder.
Os princípios orientadores da Administração deveriam estar postos como cláusulas pétreas com o fito apenas de se subsumir a novas situações ainda não previstas pelo direito positivo que se fizesse apresentar, já que este jamais acompanhará a evolução dos acontecimentos sociais de relevo para o direito.
A excessiva liberdade de atuação conferida às funções executiva e legislativa, a partir de um ordenamento frouxo e complacente, repleto de imunidades materiais e processuais dirigidas aos agentes desviados do interesse público, foi o grande incentivador para disseminação dos crimes contra a Administração Pública, que em verdade, melhor estariam caracterizados como crimes contra a sociedade, pois é o erário público que se sangra sob a batuta de interesses privatistas de poder.
Crimes contra a Administração Pública deveriam contar com o máximo rigor das normas penais, ter o mesmo tratamento conferido aos crimes hediondos e serem imprescritíveis, para que não se permitisse o funcionamento do sistema de conluio instalado entre as funções de poder perpetradores da desordem moral, a fim de que não logre êxito a impunidade por razões de ordem temporal ou de favorecimentos escambiados de ordem política. As penas aplicadas aos os tipos penais violadores do interesse público perpetrados por mandatários, agentes públicos e políticos deveriam ganhar caráter de exemplaridade, a fim de se açoitar os aventureiros que contam com as facilidades da máquina estatal.
Democracia não deve trazer como consequência a impunidade pelo excesso de liberdade. As funções públicas devem ser exercidas através de uma liberdade controlada, vigiada. O poder fiscalizatório deve ser o poder máximo do Estado e seus exercentes não podem ser nomeados politicamente, mas concursados, treinados e aptos ao exercício retilíneo e probo. Deveriam fiscalizar e serem fiscalizados por suas fiscalizações, a política abandonada e a eficiência normativa incorporada.
Bradam-se verdadeiras falácias como forma de se fundamentar a burla as exigências legais e se desviar dos fins de direito. A licitação, um exemplo, em tese, que o ordenamento possui para se aplicar os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade, se mostra reiteradamente ineficiente ao seu fim maior. Cartas marcadas, objetos licitados superfaturados formam a tônica de um sistema aviltante ao art. 37 da CRFB. Legalizam-se procedimentos licitatórios simplificados onde a fiscalização da legalidade se faz insipiente e renegada, alega-se a busca da celeridade como uma exigência do mercado, quando a morosidade mostra-se como retrato da mais absoluta ineficiência administrativa. Criam-se situações artificiais de emergência que possam levar a alguma das hipóteses de dispensa de licitação com o objetivo de se firmarem contratações diretas, superfaturadas e atentadoras dos princípios e artigo que se deveria paradigmar.
Uma porcentagem mínima dos desvios de finalidade é tornada pública, já que ardilosamente protegidas pelo sistema organizado de poder. Desta, uma porcentagem ínfima resta apurada e levada ao judiciário, que quando não se depara com a prescrições ou arquivamento políticos, possuem a disposição a complacência de um ordenamento incapaz de proporcionar uma reprimenda suficiente, que se mostre proporcional ao dano vislumbrado. Dano, que não se mede apenas por valores pecuniários, mas sim, ainda, pelos valores morais de uma higidez de probidade que se deveria esperar dos que ocupam qualquer função pública e que deveriam atuar segundo a supremacia do interesse público.
A guerra contra esse estado insustentável de decadência moral deveria estar declarada. Barreiras advindas do déficit educacional e moral da própria sociedade, que se somatiza a omissão de uma efetiva participação direta desta em seus próprios destinos, ainda preponderam, e de certa forma, legitimam as escaras do sistema. Distorções como a simpatia vilmente comprada da sociedade através de uma política populista em sua feição apodrecida, garantem que o sistema se mantenha higidamente putrefato e com as mesmas figuras repugnantes no comando.
O poder emana do povo que o exerce, em regra, indiretamente por sua representes. Lindo, porém em nossa democracia, de diminuta aplicabilidade prática, já que somos incapazes de escolher o menos venal entre os venais, salvo pontuais exceções, e destes escolhidos não temos qualquer forma de controle eficiente de suas gestões e mandatos, que fica basicamente restrito ao sufrágio de uma maioria de analfabetos funcionais com dificuldades até mesmo de autodeterminarem-se. Em verdade, o poder é exercido pelo poder e no interesse do poder.
Uma democracia construída para proteção das liberdades de poder, sem controle eficiente da sociedade, que em grande parte nem ao menos conhece os instrumentos que lhe estão postos, que entende que democracia se resume ao voto e a liberdade de expressão. Uma democracia já carcumida, embora ainda pós-embrionária, que se depara com o apodrecimento antes mesmo de alcançar sua maturidade.
Uma Constituição mais enxuta, com uma federação menos centralizada em um de seus entes “autônomos”, a União, que confira autonomias “cum granus salis”, pois o poder fiscalizatório deve ser o poder de prevalência entre os demais. Uma federação onde o Executivo, o legislativo e o judiciário, amplamente fiscalizados, encontrem uma paridade de forças até o momento de se acionar o judiciário, quando este terá sempre a última palavra como deve ser em um Estado Democrático de Direito. Uma Constituição onde o legislativo não possa votar matérias de interesse pessoal de seus membros, ou em caso de permissivo constitucional, que reste ratificado pelas demais funções de poder para que a imoralidade encontre barreiras para perseverar.
Lembremos que nossa ordem maior consagrou um Estado democrático de Direito, e não um Estado Político Democrático como faz transparecer. As razões políticas só estão legitimadas se enquadradas no campo da legalidade (lato sensu), caso contrário as razões deverão ser sumariamente repelidas e emblematicamente punidas.
Enfim, mudanças tantas que não é o local e nem o objetivo deste artigo trazê-las pontualmente, que talvez a CF/88 mostre-se “irremendável” e deva ser construída uma nova ordem constitucional, agora a partir de uma base democrática mais experimentada e com boa parte de seus vícios passíveis de serem visualizados e eliminados, uma democracia com suas duas pernas para caminhar com menos desvios e desequilíbrios.
O poder não fiscalizado é um poder irremediavelmente corrompido. A fiscalização e a transparência em graus superlativos são imperativos de uma democracia praticável, onde as liberdades prestam contas a sociedade e a quem de direito.
Talvez a mais completa ausência de vontade política em uma sociedade intelectualmente pobre e pouco discernida, sejam as pedras que esta “democracia democrática” a ser construída precise enfrentar para que venha a lume... Hoje uma utopia, amanhã a história nos contará de sua viabilidade...
Um Estado corrupto é um Estado apodrecido.

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