Após alguns insistentes pedidos para que eu discorresse sobre o assunto falarei brevemente a respeito, embora deva confessar peculiar certa náusea temática.
Um tal deputado no melhor estilo "famoso quem", Marco Feliciano, cumprirá seu mandato como novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Confesso que, antes de seu nome aparecer no cenário como um dos possíveis escolhidos perguntaria de que "João" se fala. Pois bem, do dia para noite a notoriedade lhe incorporou e suas frustrantes frases no melhor gênero enrustido ganharam as mídias sociais se tornando o "top tem" da internet. O que eu poderia fazer? Nada! Chamem um pai de santo, oferte-o a Iemanjá ou então protestem a vontade...
Interessantíssima, de fato, a escolha perpetrada pelo Legislativo. O critério foi o mesmo que escolher o Beira-Mar como novo Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ou como o mais novo Ministro da Justiça. É paradoxalmente anacrônico, mas de certa forma espelha este enfadonho Congresso Nacional tupiniquim, revela-se uma certa lógica às avessas que por lá está sempre persente...
Para alguma coisa serviu esses insistentes pedidos, propriamente para que eu me deparasse com esse tema mais que nauseabundo. Se alguém imaginou que eu viesse a perder mais de dez minutos sucateando um racista homofóbico, certamente me acompanha à muito pouco tempo. No entanto, os poucos minutos perdidos com esta celebridade surgida, surgiu-me, não sei por que cargas d'agua, a volúpia por tratar da questão da homofobia, da homossexualidade e da união homoafetiva, o que acredito firmemente reverberará uma clara resposta a lógica incutida neste cidadão e atenderá aos insistentes pedidos dos meus queridos leitores (gênero).
O homossexualismo é fruto de um predeterminismo psíquico primitivo, originado nas relações parentais das crianças, desde a sua concepção até os 3, 4 anos de idade, quando o núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo, que determinará sua orientação sexual, se constitui. Trata-se portanto, de um fato natural que não deve ensejar qualquer espécie de reprovabilidade social ou jurídica por se tratar de um fenômeno involuntário. A própria medicina de acordo com o Código Civil de Doenças (CCD) já não se utiliza do termo homossexualismo (sufixo "ismo" significa doença), mas sim homossexualidade (sufixo "dade" significa modo de ser), querendo isso significar que cientificamente não se trata de uma escolha, mas de uma imposição natural. Disso conclui-se, que qualquer tipo de reprovação cultural, social ou religiosa se caracteriza como atitude discriminatória, e se isso vier a representar para os mais conservadores a degradação da família tradicional, que se degrade por uma nova concepção de família afetiva onde a inclusão da pluralidade será a diferença. A cidadania é um dever fundamental do Estado para com o cidadão e um direito potestativo do cidadão para com a sociedade.
A questão da homoafetividade estudada segundo a sociologia e o direito busca a garantia dos direitos da isonomia entre os sexos, da liberdade, da intimidade, da pluralidade familiar, do desenvolvimento da personalidade, tudo sob o manto da dignidade da pessoa humana. Todas são normas postas na Constituição suficientes para a consecução de efeitos jurídicos favoráveis às parcerias de pessoas do mesmo sexo, para que cidadãos possam conviver familiarmente de forma digna de acordo como o modelo que melhor retrate seus mais íntimos anseios.
Certo é que, o direito civil ainda se mantém de certa forma distante das realidades sociais de seu tempo, encarcerado em um formalismo tipicista e excludente. Certo é ainda, que o direito civil deve ser lido sob uma perspectiva de uma vestimenta normativa constitucional, com especial atenção aos direitos fundamentais em suas eficácias vertical e horizontal, de forma que não mais se deve tolerar odiosas discriminações nem por parte dos poderes públicos nem por parte dos cidadãos em suas relações intersubjetivas. O STF andou bem em suas últimas decisões plenárias e alargou o campo de conforto das minorias democráticas que tem por missão tutelar.
Ainda assim pode-se extrair do art. 1723 do CC, "A união estável é toda convivência pública e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família". Constituir família não pode ser lido segundo uma visão "carola" e antiquada de ter fins de procriar. Se lido desta forma como ficariam os casais estéreis? Não teriam suas uniões como entidades familiares? Por isso, o próprio artigo confere supedâneo às uniões estáveis homoafetivas, sendo certo que o art. 1561, I a III do mesmo diploma, não discrepa deste entendimento e por sua leitura se pode avalizar a união de que se trata.
Ainda persiste, é fato, precipuamente entre as classes à que não foram oportunizadas uma maior instrução, certo sentimento de repulsa com relação à questão. Na mesma esteira repudia com veemência os que não se aceitam da forma como foram concebidos. Aceitar as diferenças requer sem sombra de dúvidas uma capacidade de absorção cultural que muitos não foram preparados para cultivar e ostentar e para outros a dificuldade de se intercambiar com suas realidades no meio social.
A questão da união homoafetiva passa notadamente pelo princípio democrático, em que não deve ser observado sob a ótica minimalista da vontade da maioria (democracia formal), mas pelo respeito da vontade das minorias (democracia material). Segundo os ensinamentos de Dworkin "uma democracia constitucional exige o tratamento de todos com igual respeito de consideração", que se associa diretamente ao princípio da isonomia e fundamentalmente ao da dignidade da pessoa humana. Esta linha teórica moderna é a que sustenta o direito a diferença, como uma forma de respeito às escolhas, como salienta Boa Ventura: "Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza"...
Vou além nesta exposição. Tratar a relação homoafetiva duradoura como uma entidade familiar é um direito fundamental à vida, não em seu viés de direito de manter-se vivo, mas no direito à vida digna. Não há dignidade onde há exclusão, não por razões de moralidade, mas de um moralismo retrógrado, decadente de subdesenvolvido. É contra esta realidade, ainda presente na grande massa ignóbil por seus enraizados preconceitos históricos, culturais e religiosos, que o Supremo teve a oportunidade de se manifestar de forma emblemática para nossa sociedade e para o mundo mostrando que nossa Corte Maior não é composta por seres mumificados pelo tempo e por suas ideias, mas sim por cabeças que merecem o privilégio de interferir e de dar a última em questões sociais que carregam consigo um lastro do que há de mais nobre e mais podre de cada cidadão, observado de per si, sua capacidade de amar e respeitar o que lhe parece semelhante e de odiar e desprezar o que lhe parece diferente.
Deixo claro neste momento, que sou heterossexual literalmente de "cabo a rabo", pois assim nasci, cresci e morrerei, mas aceito as diferenças que nos individualizam como pessoas, e respeito o direito de cada um de desfrutar de sua dignidade e encontrar felicidade longe dos padrões estereotipados que muitos enrustidos impõem ao longo de nossa história.
Este artigo se encerra desejando que a sociedade não dissemine o ódio ao novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, este cidadão necessita é de tratamento. Há aqui um pouco daquele sentimento do transex antes da cirurgia de não se reconhecer no corpo que o espelho lhe reflete, o que certamente lhe causa um desconforto de tal magnitude que o faz reagir vítima do mais profundo descontentamento de não poder assumir sua verdadeira identidade ao meio social.
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