Na Venezuela de hoje vislumbra-se o Brasil de amanhã.
Ao lermos esta oração a incredulidade de sua verossimilhança,
a partir de um simplório olhar meramente perfunctório, se faz legítima, porém,
o engano pode lhe pegar de inopino e sua crítica superficial revelar-se pobre,
gratuita e despida das melhores percepções.
O julgamento do mensalão indubitavelmente tornou-se um marco
para a história político-jurídica do país. Poder-se-ia revelar-se em um sentido
continuísta e, por conseguinte, decepcionante, ou apresentar-se com a
sagacidade necessária para romper antigos paradigmas que até então dominavam os
sentidos coletivos da sociedade e que se delineavam legitimamente por um
interligado sistema protecionista de poder gerador das mais infamantes
impunidades.
Pois ganhou a sociedade como um todo. A sua porção mais
discernida e autoritariamente proba apenas foi oportunizado maiores subsídios
intelectivos para compreender o passo que estava a ser dado, entendimento
diametralmente oposto, vale dizer, no tocante a porção mais venal ou mesmo a despida
de maiores inteligências (no sentido de preparo intelectual), que não comemorou
ou por vestir-se de uma derrota ideológica ou por ignorar a dimensão do
acontecimento.
Tenho inúmeros artigos onde arregaço o tema mensalão entre
concordâncias e discordâncias da maioria, quando trago proposições e críticas
sobre os mais diversos tópicos que se ventilaram merecedores de maiores
digressões, remetendo-os. Neste artigo, o acontecimento mensalão servirá como
meio para se compreender um fim querido por alguns e indesejados por outros,
aqui me incluo.
Pois bem, lá pelos lados da “província” ditatorial
venezuelana há, como aqui, a tripartição dos poderes (tecnicamente funções, já
que o poder é uno e indivisível) segundo as traçadas linha de Montesquieu.
Tecnicamente as 3 funções (executiva, Legislativa e Jurisdicional) devem ser
exercidas de forma harmônica e independente, ainda segundo seus preciosos
ensinamentos. Neste momento é que o pirão venezuelano azeda. Os exercícios das
três funções não se revelam independentes, pelo contrário, encontramos um
executivo despótico, absolutista, que possui maioria no legislativo a partir de
escrutínios sempre severamente contestados em relação as suas legalidades e um judiciário ideológico, parcial,
bolivariano, tocado segundo os reclamos do modelo chavistas. Retira-se a
independência, corolário da teoria de Montesquieu, para se alcançar uma
harmonia falaciosa, imposta, ditatorial.
Após nova eleição, que teve sua legalidade contestada,
Chávez pôde colocar em prática seu projeto antidemocrático continuísta de
dominação pelo sufocamento de uma política notadamente populista. Faz-se toda
uma sociedade refém de seu populismo onde nada se conquista pelas faltas de
oportunidades, mas a subsistência se recebe com o dinheiro do petróleo em troca
de fidelidade eleitoral. Um país onde os amplos aspectos de uma legítima
democracia se minimalizam na possibilidade de participação em escrutínios
manipulados. Onde o direito a liberdade de opinião resta severamente censurado
se discordante dos pragmatismos ideológicos de governo. Onde parte imprensa se
emudeceu parte desapareceu, mantendo-se hígida uma imprensa estatal
propagandista governamental.
Não estamos aqui discutindo sistemas socioeconômicos, não
estamos sacramentando a utopia falida do socialismo de ontem ou a ignóbil
boçalidade da praticada na Venezuela e em outros becos da América Latina. Falo
de tipos de poder, falo de ditaduras camufladas onde “manda quem pode obedece
que tem juízo” na mesma linha das originariamente concebidas. É neste compasso
que a Suprema Corte Venezuelana decidiu interpretar a Constituição de seu país,
sob os atentos olhares de um regime impositivo teve que cegar-se por olhos
alheios.
O artigo 233 da Constituição venezuelana é de uma clareza
ululante. Dispõe, que uma das hipóteses da chamada ausência absoluta é a
incapacidade física permanente atestada por equipe médica designada pela
Suprema Corte. Que em se havendo referida incapacidade do presidente eleito antes
da posse devem ocorrer novas eleições nos 30 dias consecutivos seguintes,
assumindo interinamente o poder o presidente da Assembleia Nacional.
Desta feita, o primeiro passo que se deveria tomar a mais
alta Corte Venezuelana, com competência constitucional para apreciar o caso,
seria a nomeação de uma equipe médica ideologicamente isenta para atestar o
estado de saúde do ditador Chávez. Esta seria a medida de uma Corte de justiça
de um judiciário independente, comprometida com a prestação de uma jurisdição imparcial
cumpridora dos preceitos de sua Lei Maior.
Optou-se, porém, pela parte clichê do brocado “obedece que
tem juízo”, que nem se revelaria uma legítima opção, ignorando-se a hipótese
constitucional de ausência absoluta do art. 233 para se subterfugiar nos arts.
234 e 235 do mesmo diploma, onde se descreve hipótese que a assembleia autoriza
ausência temporária do presidente que cumpre mandato, o que não é o caso de
Chávez a partir de 10 de janeiro, data em que seu mandato expirou e o
presidente eleito (o próprio) deveria ser empossado. Segundo a esdrúxula
interpretação da Suprema Corte Venezuelana, a posse, como se trata de um
processo de continuísmo de poder, pode se dar a qualquer momento, ou melhor, no
momento que Chávez erguer-se da tumba a exemplo de Fidel. A posse passou a ser
encarada como uma formalidade sem a importância que quis emprestar o Diploma
Maior venezuelano.
Até que Chávez levante-se da tumba, Nicolas Maduro, vice-presidente,
dirigirá o país. Interessante notar que, dirigirá o país alguém que não foi
eleito pelo voto popular, já que no sistema Venezuelano o Vice é indicado pelo
presidente, desta forma dirigirá o país alguém sem legitimidade para tal. Nada
que a curvada Suprema Corte venezuelana entenda forte suficiente a ponto de
divergir do todo poderoso senhor ditador. É a primeira vez na história em que
se viu uma posse de corpo ausente.
Retornando a “terra Brasilis”, não entrando no mérito
político das discussões da esquerda latina no Foro de São Paulo de espraiamento
do modelo de ditadura populista já praticado na Venezuela e em outros coirmãos,
no Brasil procura-se retirar a independência das funções legislativa (vide
mensalão) e da jurisdicional, vide aparelhamento do STF, para se formar um
poder com hierarquias funcionais implícitas, onde o executivo manda e o
legislativo e o judiciário harmonicamente obedecem sem as divergências próprias
e inegociáveis de uma democracia minimamente democrática.
Hoje ainda não temos um STF aparelhado, parcial, ideológico,
já que o processo demanda novas aposentadorias e novas indicações de ministros,
porém o continuísmo de governo com esta mentalidade despótica, neste vetusto
modelo político de indicação pelo presidente e acatamento proforma do Senado Federal
ainda adotado em nossa Carta Maior impreterivelmente será uma questão de tempo
para a balança da imparcialidade seja substituída pela estrela.
Como vimos, quase que subliminarmente em algumas passagens
deste artigo de opinião, a Venezuela de hoje é o projeto do Brasil de amanhã.
Amanhã me cobrem!
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