Em um dos meus últimos artigos sustentei a necessidade de se
pensar em uma nova Constituição a paradigmar um novo ordenamento
infraconstitucional mais de acordo, hoje lacunoso, que se faz premente surgir.
Infirmei, em outras palavras, que nossa Constituição foi
feita sob uma atmosfera que ainda procurava desvincular-se do modelo ditatorial
que ainda fedia. Excessivas garantias aos membros de poder foram conferidas,
após reinterpretadas como garantias funcionais no objetivo de fundamentá-las
para legitimá-las não deveriam mais nos reger.
Veja o artigo: http://www.juristas.com.br/informacao/artigos/os-erros-de-uma-democracia-saci-uma-nova-ordem-constitucional/1508/
A posse de José Genoíno, eleito ordinariamente como suplente
e agraciado pelo mandato político de Deputado Federal pelo sistema proporcional
eleitoral, Presidente do PT a época que se sucedeu o escândalo do mensalão,
condenado ainda sem trânsito em julgado pela maior Corte de Justiça do país a
modesta pena de 6 anos e 11 meses (o que o fez escapar do regime de execução
inicialmente fechado de cumprimento da pena), representa um absurdo permitido
por nossa ordem jurídica vigente. Mais será mesmo?
De fato, não há nenhuma norma jurídica que se mostre como empecilho
direto a famigerada posse, pelos motivos que arrolei em artigo próprio
mencionado e que fiz introduzir no presente.
Convém destacar, no entanto, que nosso ordenamento deve ser
interpretado como um todo, que seu espírito principiológicos não deve ser refém
de normas pontuais a determinados casos concretos surgidos em nome de uma “segurança
jurídica” caolha.
Há uma decisão judicial proferida pelo STF não transitada em
julgado, que cabe Embargos declaratórios, e para alguns, Embargos Infringentes
(deste ouso divergir – há dois artigos próprios onde sustento a divergência)
que julgo capaz de impedir a posse ou fundamentar o pedido de afastamento do
condenado em voga.
E não trago razões de ordem ética apenas, não colaciono o
princípio da moralidade pública unitariamente como supedâneo impeditivo, embora
entenda como suficientemente razoável para impedir um condenado por crimes de
improbidade contra a Administração Pública a tomar posse de mandato público.
Não busco razões tão só na legitimidade, ou falta dela, para impedir um
condenado de um crime que atinge a sociedade de representa-la, não me contento
com irremediáveis e suficientes argumentos.
Trago a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), lei de iniciativa
popular que impede de concorrer o candidato condenado por órgão judicial
colegiado por ato de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio
e enriquecimento ilícito. Ao tempo das eleições
Genuíno ainda não havia sido condenado, portanto concorreu e perdeu. Sim,
perdeu, pois tomará posse não pelo voto popular, que não o elegeu, mas pelo
sistema eleitoral proporcional, que em verdade elege partidos e não candidatos.
O povo não o queria na Câmara dos Deputados, portanto legitimidade não pede ser
tese de defesa de Genoíno para fundamentar sua posse.
Retornando a Lei da Ficha Limpa, esta sim uma lei de origem popular
de clamor por moralidade na política pública e, portanto legítima, impede,
entre outras hipóteses, a candidatura dos condenados por órgão judicial
colegiado. Não há interpretação lógica faticamente sustentável, capaz de
permitir um condenado nesta situação de tomar posse de mandato político. Em
verdade, Genuíno foi eleito pelo malfadado sistema proporcional, que elege
partido, não candidatos, não pelo povo e a Lei da Ficha Limpa, de legitimidade
popular, foi construída no exato objetivo de impedir que os condenados ímprobos
possam representá-los nas instituições democráticas de poder.
Nesta linha, o interesse tutelado da Lei da Ficha Limpa, que
é o de impelir moralidade na política pública e de impedir malfeitores
condenados nos termos da lei de gozarem das benesses da máquina pública, deve
ser preservado, respeitado, não se devendo admitir manobras que por via direta
ou transversa desrespeite o pronunciamento da Maior Corte de Justiça do país e
o espírito da Lei da Ficha Limpa.
Não restam dúvidas, que a decisão do Supremo no Julgamento
do mensalão está no sentido de impossibilitar que os condenados exerçam mandatos
políticos, vide um de seus últimos capítulos que decidiu pela perda automática
dos direitos políticos e dos consequentes mandatos a partir da decisão do
Supremo (efeito constitutivo), tendo o pronunciamento da Mesa do Senado Federal
apenas efeitos declaratórios da decisão judicial.
Essa posse revela-se um afronta a decisão do Supremo e ao
espírito democrático republicano, uma manobra que permite o ordenamento se
observado com os olhões de quem não quer ver.
Espera-se uma resposta a altura do STF, salvo se optar pelo
não embate com o Executivo e com parte do Legislativo, o que será de se
lamentar. Reafirmo que, embora não haja regra constitucional impeditiva da
posse, em uma interpretação principiológica desta como do espírito do
ordenamento, corroborada a legitimidade popular que carrega não apenas a
decisão do STF, mas a Lei da Ficha Limpa, este escárnio com a sociedade não
pode, não deve prosperar.
Ruy
Barbosa em 1914: “(...)
de tanto ver triunfar as nulidade, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha do
honesto”.
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