22 janeiro, 2013

O OPORTUNIZADO AMPLO ACESSO À JUSTIÇA E A PRESTAÇÃO DE UMA NÃO JUSTIÇA


O CNJ, a partir de um levantamento mais detalhado concluído este ano, chegou por via transversa à conclusão que venho a muito sustentando em meus artigos, embora não haja se pronunciado neste sentido de forma direta, pois vejamos.
Com um judiciário abarrotado, sufocado por demandas, que vão desde brigas entre vizinhos até complexos processos longos e desgastantes, nosso judiciário em 2011 possuía 90 milhões de processos com uma crescente anual de 26 milhões de novas contendas. Números, que insofismavelmente denotam-se absurdos e impraticáveis segundo o princípio da eficiência, em se tomando, claro, por parâmetro, o funcionamento por manivela de nossa máquina judiciária.
A opinião pública, em uma visão minimalista e egocentrista (a partir de autopercepções) costuma qualificar o judiciário brasileiro como falido, inoperante, moroso e ineficaz. Parcial razão assiste a todos que o percebem desta forma, porém esta é apenas a consequência que se apresenta a partir de causas muito bem delineadas e consabidas pelas autoridades responsáveis.
Nossa Constituição-Cidadã oportunizou por seu texto-maior o amplo acesso ao judiciário, impelindo que o Estado democratizasse justiça para todos. Oportunizou-se ao hipossuficiente a possibilidade de ver reparada sua lesão ou ameaça de lesão independente das custas processuais, dos encargos com sua demanda. O Estado deveria a partir de então prestar assistência integral e gratuita aos que comprovassem insuficiência de recursos.
A partir de 1988 o Estado percebeu-se constituído por uma obrigação de fazer social para compatibilizar-se com este novo modelo de Estado jurisdicional prestador e democrático, onde se qualificariam cidadãos a buscarem “seus direitos” no âmbito da função judiciária. Criaram-se Defensorias Públicas e PROCON(s), “aptos”, em tese, a captar essa enxurrada de novas demandas por uma prestação jurisdicional de quem antes conformava-se com seus “prejuízos”, mas agora percebia um meio de repará-los fundamentados na observância de um mandamento constitucional que lhes proporcionaria um amplo acesso à justiça.
Nem aos mais tolos seria plausível o argumento de que o expressivo crescimento de demandas revelar-se-ia surpresa. Inseriu-se a maior fatia da sociedade no campo da cidadania jurídica e outro resultado não era verossímil de se esperar. Mas o que deu errado neste processo inclusivo?
A resposta é simples: Iniciou-se pelo fim. A completa ausência de infraestrutura de nosso aparelho judiciário jamais comportaria com um mínimo de eficiência prestacional esta verdadeira onda renovatória de processo-constitucional. Até os hodiernos dias existem estados que não possuem Defensoria Pública, a primeira em São Paulo foi iniciada apenas em 2006. Muitas Defensorias, de tão precárias, ainda não suportam suas atribuições constitucionais, suportando o Ministério Público atribuições que constitucionalmente não seriam mais suas em muitos dos estados-membros até que estas deficitárias Defensorias consigam atender as necessidades locais.
É verdade que iniciou-se um processo de digitalização do judiciário pela busca de maior eficiência, um processo ainda capenga, que em regra, apresenta-se exclusivo para as maiores instâncias do judiciário onde a demanda é infinitamente menor. Enquanto isso são processo e mais processos ainda não decididos em papéis que somem ou que restam carcomidos pelo tempo. Enquanto isso são advogados tratados indignamente em um aparelho judiciário caótico e malversado. Lembre-se, que o mandamento constitucional do amplo acesso é de 1988 e que estamos em 2013.
Bem, estamos em 2013 e uma reforma processual ainda não se reverberou, ainda encontra-se no prevaricador âmbito do legislativo.
Ponto nevrálgico dos dados colhidos pelo CNJ, diz que 70% dos processos congestionam o judiciário. Esse mal impalatável, a se considerar um judiciário que se pretenda minimamente eficiente, possui suas razões há muito detectadas, mas por falta de vontade política ou movidos por interesses classista-privatistas, distantes do interesse público-constitucional, restam postergados aos anos e gestões seguintes as soluções já em muito tardias.
Não sou adepto de um retrocesso social que se revelaria um movimento de restrição ao acesso à justiça por ineficiência do Estado-gestor, que poderia estabelecer um maior número de condições para este acesso, porém há medidas que urgem por impreteríveis para que esse modelo não reste verdadeiramente falido e irrecuperável.
A obrigatoriedade de se procurar ou meios de conciliação ou um órgão mediador antes de se abarrotar o judiciário não pode mais esperar a meu ver. Seria uma condição para o acesso ao judiciário sim, mas que visaria o resgate da saúde do sistema. As “brigas de vizinhos” (lato senso), não podem mais aparecer em percentual aferível e substancial ocupando o judiciário e chegando, inclusive, as altas instâncias recursais como o STJ, apenas brecadas pelo instituto da repercussão geral no STF, instituto que já deveria instrumentalizar também o STJ (possuo artigo que trato do assunto).
Conscientizar que o judiciário deve ser a última e não a primeira ferramenta de cidadania incumbe ao Estado fazer. Se os governos ocuparem 10% do tempo vocacionado às publicidades de seus eleitoreiros populismos assistencialistas, com a educação e conscientização de seus cidadãos, os resultados de logo aparecerão. Vale trazer o exemplo dos E.U.A., que possui um modelo de justiça semelhante ao nosso onde a mediação e a conciliação são resolutivas e percentualmente eficazes, impedindo que um sem número de demandas passiveis de solução pré-processual tomem conta do judiciário e o faça moroso e ineficaz, já que justiça tardia é uma não justiça.
Um primeiro, mas curto passo foi dado para que saiamos do caminho da prestação de uma “não justiça”. A EC 45/04 inseriu o art. 5º LXXVIII a CF/88 trazendo o princípio da Razoável Duração do Processo, a procura de celeridade em suas tramitações. Porém, medidas para que o princípio saia dos estritos termos do papel e ganhe concretude prática, ainda não foram tomadas, como se está a aduzir até o momento.
Nossas Agências Reguladoras “(in)devidamente” aparelhadas pelo Estado e em maior parte absolutamente ineficazes aos propósitos constitucionais de suas criações, poderiam por meio de resoluções obrigar que as prestadoras de serviços públicos de massa batessem metas de conciliações extrajudiciais sob pena de pesadas multa administrativa. O número de ações judiciais impetradas contra prestadoras de serviços públicos é calamitoso e comprometedor para o razoável funcionamento do judiciário. Punir com emblemáticas multas os maus prestadores contumazes dever-se-ia ser a regra e não a exceção episódica como ocorre hodiernamente. Não basta divulgar ao público os maus prestadores, já que em determinados setores maus prestadores são todos.
Essa medida deveria alcançar ainda os setores empresariais que exploram o consumo de massa e que indignificam o consumidor. Ao aparecerem na lista negra de reclamações do PROCON, estas empresas estariam obrigadas a bater metas de resolução de conflitos antes de ganhar o judiciário, sobe pena de pesadas multas e proibições de comercializarem no mercado enquanto não se enquadrarem ao campo da dignidade. Tudo, aliás, estaria posto em respeito aos proclamos do CDC.
Outro ponto, esse que trato em mais de um artigo diverso do presente, aos quais remete-se, pertine as infinitas possibilidades recursais que a OAB faz lobby para se manterem intactas. Parte-se, em verdade, do autoprotecionismo de uma advocacia censitária dos grandes escritórios do ramo (do qual em regra são sócios proprietários os dirigentes da OAB), que faz um processo amealhar o judiciário por incontáveis anos repletos de honorários, roubando qualquer efetividade da tutela jurisdicional. Lucram apenas as grandes corporações de advogados e seus clientes, perdem a sociedade excluída dos privilégios econômicos para com essas grandes corporações contratar, perde a sociedade que não tem uma resposta jurisdicional à tutela requerida em tempo, e claro, o judiciário congelado, não resolutivo, mau prestador.
Um Estado hipócrita, em débito com a sociedade, que com a mão que confere o acesso retira-lhe a efetividade exatamente aos que mais precisam de sua proteção. Um Estado jurisdicional que protege as grandes corporações, o capital, em detrimento de seu papel constitucional prestador. O Estado avocou para si, salvo exceções pontualíssimas, as possibilidades da autotutela, mas anda se esquecendo disso. Não se concebe o Estado ao invés de prestar uma justiça eficiente constitucionalizada lesar sem indulgência o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, também um direito fundamental constitucionalizado e inegociável.
Uma justiça que permite que um pleito só reste aproveitado post-mortem, pelas gerações seguintes, não se pode chamar propriamente de justiça.

Nenhum comentário: