O CNJ, a partir de um
levantamento mais detalhado concluído este ano, chegou por via transversa à
conclusão que venho a muito sustentando em meus artigos, embora não haja se
pronunciado neste sentido de forma direta, pois vejamos.
Com um judiciário abarrotado,
sufocado por demandas, que vão desde brigas entre vizinhos até complexos
processos longos e desgastantes, nosso judiciário em 2011 possuía 90 milhões de
processos com uma crescente anual de 26 milhões de novas contendas. Números,
que insofismavelmente denotam-se absurdos e impraticáveis segundo o princípio
da eficiência, em se tomando, claro, por parâmetro, o funcionamento por
manivela de nossa máquina judiciária.
A opinião pública, em uma visão
minimalista e egocentrista (a partir de autopercepções) costuma qualificar o
judiciário brasileiro como falido, inoperante, moroso e ineficaz. Parcial razão
assiste a todos que o percebem desta forma, porém esta é apenas a consequência
que se apresenta a partir de causas muito bem delineadas e consabidas pelas
autoridades responsáveis.
Nossa Constituição-Cidadã
oportunizou por seu texto-maior o amplo acesso ao judiciário, impelindo que o
Estado democratizasse justiça para todos. Oportunizou-se ao hipossuficiente a
possibilidade de ver reparada sua lesão ou ameaça de lesão independente das
custas processuais, dos encargos com sua demanda. O Estado deveria a partir de
então prestar assistência integral e gratuita aos que comprovassem insuficiência
de recursos.
A partir de 1988 o Estado
percebeu-se constituído por uma obrigação de fazer social para
compatibilizar-se com este novo modelo de Estado jurisdicional prestador e democrático,
onde se qualificariam cidadãos a buscarem “seus direitos” no âmbito da função
judiciária. Criaram-se Defensorias Públicas e PROCON(s), “aptos”, em tese, a
captar essa enxurrada de novas demandas por uma prestação jurisdicional de quem
antes conformava-se com seus “prejuízos”, mas agora percebia um meio de repará-los
fundamentados na observância de um mandamento constitucional que lhes
proporcionaria um amplo acesso à justiça.
Nem aos mais tolos seria
plausível o argumento de que o expressivo crescimento de demandas revelar-se-ia
surpresa. Inseriu-se a maior fatia da sociedade no campo da cidadania jurídica
e outro resultado não era verossímil de se esperar. Mas o que deu errado neste
processo inclusivo?
A resposta é simples: Iniciou-se
pelo fim. A completa ausência de infraestrutura de nosso aparelho judiciário
jamais comportaria com um mínimo de eficiência prestacional esta verdadeira
onda renovatória de processo-constitucional. Até os hodiernos dias existem
estados que não possuem Defensoria Pública, a primeira em São Paulo foi
iniciada apenas em 2006. Muitas Defensorias, de tão precárias, ainda não
suportam suas atribuições constitucionais, suportando o Ministério Público
atribuições que constitucionalmente não seriam mais suas em muitos dos
estados-membros até que estas deficitárias Defensorias consigam atender as
necessidades locais.
É verdade que iniciou-se um
processo de digitalização do judiciário pela busca de maior eficiência, um processo
ainda capenga, que em regra, apresenta-se exclusivo para as maiores instâncias
do judiciário onde a demanda é infinitamente menor. Enquanto isso são processo
e mais processos ainda não decididos em papéis que somem ou que restam
carcomidos pelo tempo. Enquanto isso são advogados tratados indignamente em um
aparelho judiciário caótico e malversado. Lembre-se, que o mandamento
constitucional do amplo acesso é de 1988 e que estamos em 2013.
Bem, estamos em 2013 e uma
reforma processual ainda não se reverberou, ainda encontra-se no prevaricador
âmbito do legislativo.
Ponto nevrálgico dos dados
colhidos pelo CNJ, diz que 70% dos processos congestionam o judiciário. Esse
mal impalatável, a se considerar um judiciário que se pretenda minimamente
eficiente, possui suas razões há muito detectadas, mas por falta de vontade
política ou movidos por interesses classista-privatistas, distantes do
interesse público-constitucional, restam postergados aos anos e gestões
seguintes as soluções já em muito tardias.
Não sou adepto de um retrocesso
social que se revelaria um movimento de restrição ao acesso à justiça por
ineficiência do Estado-gestor, que poderia estabelecer um maior número de condições
para este acesso, porém há medidas que urgem por impreteríveis para que esse
modelo não reste verdadeiramente falido e irrecuperável.
A obrigatoriedade de se procurar
ou meios de conciliação ou um órgão mediador antes de se abarrotar o judiciário
não pode mais esperar a meu ver. Seria uma condição para o acesso ao judiciário
sim, mas que visaria o resgate da saúde do sistema. As “brigas de vizinhos”
(lato senso), não podem mais aparecer em percentual aferível e substancial
ocupando o judiciário e chegando, inclusive, as altas instâncias recursais como
o STJ, apenas brecadas pelo instituto da repercussão geral no STF, instituto que
já deveria instrumentalizar também o STJ (possuo artigo que trato do assunto).
Conscientizar que o judiciário
deve ser a última e não a primeira ferramenta de cidadania incumbe ao Estado
fazer. Se os governos ocuparem 10% do tempo vocacionado às publicidades de seus
eleitoreiros populismos assistencialistas, com a educação e conscientização de
seus cidadãos, os resultados de logo aparecerão. Vale trazer o exemplo dos
E.U.A., que possui um modelo de justiça semelhante ao nosso onde a mediação e a
conciliação são resolutivas e percentualmente eficazes, impedindo que um sem
número de demandas passiveis de solução pré-processual tomem conta do
judiciário e o faça moroso e ineficaz, já que justiça tardia é uma não justiça.
Um primeiro, mas curto passo foi
dado para que saiamos do caminho da prestação de uma “não justiça”. A EC 45/04
inseriu o art. 5º LXXVIII a CF/88 trazendo o princípio da Razoável Duração do
Processo, a procura de celeridade em suas tramitações. Porém, medidas para que
o princípio saia dos estritos termos do papel e ganhe concretude prática, ainda
não foram tomadas, como se está a aduzir até o momento.
Nossas Agências Reguladoras “(in)devidamente”
aparelhadas pelo Estado e em maior parte absolutamente ineficazes aos
propósitos constitucionais de suas criações, poderiam por meio de resoluções
obrigar que as prestadoras de serviços públicos de massa batessem metas de
conciliações extrajudiciais sob pena de pesadas multa administrativa. O número
de ações judiciais impetradas contra prestadoras de serviços públicos é
calamitoso e comprometedor para o razoável funcionamento do judiciário. Punir
com emblemáticas multas os maus prestadores contumazes dever-se-ia ser a regra
e não a exceção episódica como ocorre hodiernamente. Não basta divulgar ao
público os maus prestadores, já que em determinados setores maus prestadores
são todos.
Essa medida deveria alcançar
ainda os setores empresariais que exploram o consumo de massa e que
indignificam o consumidor. Ao aparecerem na lista negra de reclamações do
PROCON, estas empresas estariam obrigadas a bater metas de resolução de
conflitos antes de ganhar o judiciário, sobe pena de pesadas multas e
proibições de comercializarem no mercado enquanto não se enquadrarem ao campo
da dignidade. Tudo, aliás, estaria posto em respeito aos proclamos do CDC.
Outro ponto, esse que trato em
mais de um artigo diverso do presente, aos quais remete-se, pertine as
infinitas possibilidades recursais que a OAB faz lobby para se manterem
intactas. Parte-se, em verdade, do autoprotecionismo de uma advocacia
censitária dos grandes escritórios do ramo (do qual em regra são sócios
proprietários os dirigentes da OAB), que faz um processo amealhar o judiciário
por incontáveis anos repletos de honorários, roubando qualquer efetividade da
tutela jurisdicional. Lucram apenas as grandes corporações de advogados e seus
clientes, perdem a sociedade excluída dos privilégios econômicos para com essas
grandes corporações contratar, perde a sociedade que não tem uma resposta
jurisdicional à tutela requerida em tempo, e claro, o judiciário congelado, não
resolutivo, mau prestador.
Um Estado hipócrita, em débito
com a sociedade, que com a mão que confere o acesso retira-lhe a efetividade
exatamente aos que mais precisam de sua proteção. Um Estado jurisdicional que
protege as grandes corporações, o capital, em detrimento de seu papel
constitucional prestador. O Estado avocou para si, salvo exceções
pontualíssimas, as possibilidades da autotutela, mas anda se esquecendo disso.
Não se concebe o Estado ao invés de prestar uma justiça eficiente
constitucionalizada lesar sem indulgência o princípio da Dignidade da Pessoa Humana,
também um direito fundamental constitucionalizado e inegociável.
Uma justiça que permite que um
pleito só reste aproveitado post-mortem,
pelas gerações seguintes, não se pode chamar propriamente de justiça.
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