Inicia-se o presente artigo com o
conceito de empregada doméstica. Doméstico é o empregado que presta serviços de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa física ou à família no
âmbito residencial desta.
Um dos elementos essenciais característico
desta espécie de prestação de serviços é que o vínculo se forma a partir de uma
continuidade comprovada, que jurisprudencialmente se afere com a prestação de
serviços por pelo menos três vezes por semana. A prestação em menor número de
dias semanais deixa de caracterizar o vínculo empregatício para a
caracterização de empregada doméstica.
Outra característica que se
denota peculiar é a finalidade não lucrativa da prestação de serviços
domésticos. O empregador não vinculá-la a sua atividade econômica. Não se
cogita contratar uma empregada doméstica para preparar quentinhas que serão
vendidas, neste caso desnatura-se a atividade de empregada doméstica passando a
ser uma empregada comum. O mesmo se diz, à título de exemplo de um médico que
labora em casa e contrata um motorista para leva-lo em atendimentos aos seus
pacientes como atividade preponderante, não eventual, diferente se ele é o
motorista que leva as crianças a escola e a esposa ao supermercado, mesmo que
eventualmente venha a deixar o médico na residência de um de seus pacientes.
Outra condicionante para
caracterização da figura da empregada doméstica é o trabalho ser dirigido à
pessoa ou família, no âmbito residencial destas. Neste particular, não se
vislumbra uma empregada doméstica que peste serviços a uma empresa, associação
ou mesmo entidade filantrópica. Âmbito residencial não deve ser lido de forma
restritiva, compreendendo um sítio ou casa de praia da família usufruída para
lazer.
A partir desta preliminar
exposição faz-se possível passar a temática de interesse deste, a aprovação nas
Casas legislativas da PEC das domésticas, que revogou o paragrafo único do art.
7º da CRFB.
A CRFB conferia tratamento
diferenciado às empregadas domésticas do deferido aos empregados comuns,
estendendo apenas alguns dos direitos destes (empregados urbanos e rurais)
àqueles. A PEC, que promove um total de 16 alterações cria uma isonomia antes
não conferida nos termos da Convenção Internacional do trabalho 189 e da OIT da
qual o Brasil é membro e signatário. A atividade dos empregados domésticos não é
regulamentada, diversamente dos comuns, pela CLT, mas por legislações
especiais, como a L. 5859/72.
Na prática a PEC assegurou as
empregadas domésticas direitos antes a elas sonegados, como jornada padrão de 8
horas diárias e 44 semanais, direito ao recebimento de horas extras quanto ao
que sobejar, direito a percepção de adicional noturno (das 22 ás 05 horas),
salário família, FGTS, seguro desemprego, benefício por acidente de trabalho,
adicional de periculosidade ou insalubridade, auxílio creche, enfim,
legiferou-se pela isonomia. Alguns pontos ainda necessitam de regulamentação
para que ganhem efetividade.
Passemos neste instante ao viés
crítico-reflexivo desta proposição. Estas substanciais alterações na relação
empregador x empregada doméstica revelou-se realmente saudável a ambas as
parte? Será uma conquista, de fato, digna para se comemorar por parte das
empregadas domésticas em se considerando suas prováveis consequências?
De início, refletindo já sobre as
proposições, vale lembrar que, as atividades das empregadas domésticas não
podem se reverter em lucro para o empregador, o que, de certa forma, reduz
substancialmente o proveito da atividade ao empregador. O empregador comum, que
sempre arcou com todos os pesados ônus impostos pela legislação trabalhistas
sempre utilizou da mão de obra contratada para a consecução de sua atividade
econômica, que em regra possui finalidade lucrativa. A atividade da empregada
doméstica, por impedimento legal, não pode se reverter em lucro ao empregador,
conforme já se aduziu.
Outro ponto sensível é que, como
se assentou, a prestação dos serviços domésticos é feita à pessoa física ou família.
Neste instante devemos levar em conta que estas duas formas de representação na
sociedade (PF e família) não possuem, em regra, as mesmas disponibilidades
financeiras que as pessoas jurídicas contratantes dos empregados comuns. De
sorte que, esta substancial oneração suplementar trazida pela PEC que deverá
ser assumida pelo empregador poderá causar um desequilíbrio
econômico-financeiro em seu orçamento familiar ou pessoal.
Do exposto, pergunto: Desta
volumosa oneração que será suportada pelo empregador é realmente uma conquista
para as empregadas domésticas? Para parcela sim, será, já para substancial
número de empregadas domésticas assim não percebo.
Toda e qualquer relação revela-se
uma via de mão dupla. Quando uma das facções desta se revela excessivamente
onerada a ponto de causar um desequilíbrio comprometedor de seu custo-benefício,
à tendência é que a parte prejudicada busque o rompimento desta relação. É
neste instante, que temo que o número de empregadas domésticas devidamente
registradas nos termos da nova ordem constitucional revele-se diminuto, que
muitas das empregadas domésticas com certa estabilidade percam seus postos de
empregos e tenham que procurar outras soluções no mercado de trabalho.
Ao empregador que se viu
excessivamente onerado em seu orçamento restam possibilidades a ser aventadas.
Poderá substituir uma empregada doméstica por duas ou três diaristas, por
exemplo, que laborem até duas vezes por semana cada, quando não precisará arcar
com os custos agora exigidos pela aprovada PEC. Poderá a empregada para manter
seu emprego aceitar a informalidade, o que poderá terminar nas balizas da
Justiça do trabalho. Poderá ainda passar a entender como um gasto dispensável,
colocado no campo das despesas supérfluas, como percebemos em inúmeros países
de 1º mundo a exemplo dos EUA.
A partir das isonômicas jornadas
de trabalho, como ficarão os empregados domésticos que por morar distante
dormem e se alimentam diariamente na residência que trabalham? Ganharão horas
extras ou pagarão aluguel e suas refeições?
É nesta “faca de dois legumes”
que coloco a aprovação da PEC das empregadas domésticas. A classe média, onde
se aloca a maioria dos empregadores domésticos, dificilmente conseguirá a soma
de mais esta oneração em seus orçamentos. Certamente as classes mais altas da
sociedade não conseguirão realocar toda a mão-de-obra que vislumbro dispensada
a partir desta nova realidade.
O ideal para uma empresa é pagar
o “teto” aos seus funcionários para que estes trabalhem felizes, dispostos e
rendam mais, mas e se esta empresa falir? Vivemos a lógica dolorida na relação
Estado x contribuinte, onde a tributação tem efeitos quase confiscatórios.
Resultado? Menos investimentos do setor privado, menos empregos contratados, Brasil
crescendo menos do que seu potencial permitiria.
Essa realidade será a nova tônica
na relação empregador x empregado doméstico. Saudável? Suportável? Enfim,
pode-se falar que os empregados domésticos obtiveram uma real conquista com
esta isonomia?
Fundamental para tentar viabilizar
essa relação à negociação entre as partes, a feitura de um contrato. Certamente
esta negociação para a classe média será no sentido de desonerar o empregador
com respeito aos novos traços legislativos, o que não será, por certo, uma
tarefa de fácil consecução.
Por último coloco uma dúvida a
isonomia buscada entre os empregados comuns e os domésticos, haja vista
pertencerem, conforme demonstrado, a realidades dissonantes que não se igualam.
Como, a partir dos requisitos que se demonstrou para caracterização do
empregado doméstico, buscar isonomias? Pergunte aos nossos sábios legisladores.
Por vezes, conquistas não
pensadas ou mal pensadas podem se revelar prejuízos para as categorias que com
elas se relacionam (prejuízos mais óbvios), mas também às próprias categorias
que ostentam as conquistas como uma consequência reflexa destas. O equilíbrio
de um custo-benefício saudável a ambas as partes não pode ser quebrado sob o
risco de rompimento de relações, quando os prejuízos aniquilarão as conquistas.
Vale refletir.
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