Questão intrigante de implicações político-jurídicas
acaloradas, onde o tempo parece não fazer gerar consenso, é a do momento que se
entende o inicia da vida intrauterina. Nem a filosofia, nem a sociologia, nem
mesmo a ciência conseguiram fechar em um denominador comum. O direito navega em
meio a turbulentas ondas conceituais filiando-se as mais diversas teorias
geradoras das mais diferentes repercussões de ordem prática e no campo da
bioética.
Uma primeira corrente defende que a vida se inicia no momento
da fecundação, quando o espermatozoide fecunda o óvulo materno. Essa teoria é a
preferida do mundo eclesiástico, que por obvias razões a defende na tentativa
de “demonializar” a figura do aborto.
Uma segunda corrente sustenta que a vida tem seu primeiro
momento no instante da ocorrência da nidação. A nidação ocorre na 2ª semana
após a fecundação, quando o óvulo fecundado fixa-se à parede uterina e o
embrião passa a ter reais possibilidades de desenvolvimento.
Já uma terceira corrente infirma que a vida tem seu início
na 3ª semana de gestação, momento em que o embrião não pode mais se
dividir e cria-se uma individualização do novo ser.
Uma quarta corrente diz que a vida só se inicia a partir da
24ª semana de gestação, quando o feto já possuiria autonomia, pois com seus
pulmões formados já poderia viver independentemente do abrigo intrauterino
materno.
Por último, propositadamente deixada, há uma quinta corrente
que julgo de uma lógica mais aferível e defensável. Por esta, a vida humana
teria seu início na 2ª semana de gestação, com a formação das primeiras
terminações nervosas, em uma lógica inversamente proporcional ao momento que se
afere a morte, que se dá com o fim da atividade cerebral, com a morte
encefálica. É sem dúvida uma lógica que encontra um parâmetro de identidade
conceitual.
Sobre morte encefálica, avulta notar, que o
acolhimento jurídico-científico desta tese é de grande valia para que se
possibilite que um maior número de doações de órgãos obtenham êxito, portanto
podemos atribuir-lhe a qualificação de politicamente correta, já que o “moribundo”
pode ainda estar respirando, com o coração batendo, ainda que mantido por
aparelhos, mas sem qualquer chance de vida, mas podendo salvar outas.
Adiro a quinta corrente e dela não me afasto, pois mantém
uma lógica demonstrável, onde o fim da vida se denota com o término
das atividades cerebrais e o início da vida quando as atividades têm seu
iniciar.
Independente da corrente escolhida, os valores da bioética
reclamam por uma definição que revele maior segurança jurídica, o que perpassa
por questões de razões políticas com profunda implicação às defesas de ideologia
religiosa, um terreno movediço, difícil de se equilibrar.
O anteprojeto do novo Código Penal, que tramita no Congresso
Nacional, mexe diretamente nesta seara, quando vai falar de aborto. Pelo texto, ainda não aprovado e causador de grande alvoroço, além das hipóteses hoje
permitidas, são elas: em caso de estupro, em caso de risco à vida da gestante, hoje a jurisprudência já vem aceitando na verificação da existência
intrauterina de feto anencefálico através de autorização judicial, vindo, caso
aprovado o anteprojeto a fixação do prazo de dois meses de gestação para a
prática das manobras abortivas. O novo CP prevê ainda a possibilidade de aborto,
por vontade da gestante, até a 12ª semana, quando o médico ou psicólogo atestar
que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade, segundo
normas que serão editadas pelo CFM.
Há uma teoria não merecedora de maiores digressões, que sustenta a impossibilidade de se precisão o momentos exato quando a vida tem seu início. Caso adotada, impediria qualquer evolução na matéria e de respostas advindas da bioética.
Há uma teoria não merecedora de maiores digressões, que sustenta a impossibilidade de se precisão o momentos exato quando a vida tem seu início. Caso adotada, impediria qualquer evolução na matéria e de respostas advindas da bioética.
No que toca a mais polêmica das causas passíveis de aborto
constante no anteprojeto (até a 12ª semana, quando o médico ou psicólogo
atestar...), creio será de difícil sustentação. Não falo apenas do impeditivo de viés político-religioso que se deverá enfrentar, mas das quase insubsistentes
exigências para referida prática abortiva. Apenas atestado psicológico revela-se insipiente
para se permitir o aborto para as realidades socioculturais de nossa sociedade. Pois vejamos: Minha mulher e eu não planejamos a
gravidez, batemos na porta da vizinha psicóloga e ela atesta que minha mulher
não tem condições psicológicas para a maternidade. Isso seria ou não vulgarizar
o aborto?
Entendo ser sim o aborto uma questão de saúde pública, que
segundo o instituto Gallop de pesquisas seria a quarta causa de morte materna no país. Entendo a tese de
que melhor o procedimento do aborto em uma clínica ou hospital legalizado e
aparelhado do que nos matadouros que se praticam as manobras abortivas ainda
criminosas, principalmente em se tratando de mulheres das classes sociais mais
desfavorecidas. Agora, depender a reles necessidade de um laudo psicológico para se permitir
esse procedimento, que invariavelmente causará risco a vida da gestante, revelar-se-á
inelutavelmente uma insuficiente proteção do Estado à vida, portanto inconstitucional. Talvez, em se
retirando a conjunção alternativa “ou” e acrescendo-se a aditiva “e”, a
pretensa norma ganhará um pouco mais de substância defensável, já que
criar-se-ia uma mútua fiscalização e responsabilidade entre médicos e psicólogos. Assim quem sabe, poderíamos falar em respeito a vida, a dignidade da mulher e às
suas escolhas, sem lesões a outros direitos que pelo método do sopesamento se revelem inegociáveis em suas ponderações.
Sem mais.
3 comentários:
Muito bom o post.
Essa coisa de quando se inicia a vida ja é um grande engano. A vida começou a milhoes de anos, num ambiente primitivo bla bla bla que é outra historia.
Na verdade, em se tratando de feto, aborto etc, nao existe isso de 'inicio da vida'.
Note que quando o espermatozoide fecunda o ovulo, o espermatozoide esta vivo. Ele mexe, gasta energia etc. Note tambem que o ovulo é uma celula viva do organismo da mulher.
Quando um espermatosoide fecunda o ovulo ele nao morre, ele continua vivo.
O espermatozoide que deu origem a voce nao morreu, é a mesma vida que voce esta vivendo ate hoje lendo esse meu humilde comentario.
Um espermatozoide morto nao fecundaria um ovulo.
Pode parecer coisa religiosa, realmente, mas a sua vida nao teve um 'inicio', a sua vida foi passada, continuada, metade do seu pai metade da sua mae.
ja a parte da 'nidaçao' é onde começa a 'gravidez'. A partir daí pode vir o aborto ou a gestaçao. Porem, como eu disse antes, ja ha vida, sempre houve. senao a nidaçao nao ocorreria agora.
agora, sobre a 'terceira semana', um organismo não-vivo nao chegaria na terceira semana. nessa hora, como dito, ha a individualizaçao que é apenas mais um estagio de um ser (ou dois) que tem que estar vivo logicamente.
A corrente que voce admira, pode ter suas razoes politicas, juridias e tals. Mas é bastante perigosa. Convem matar uma pessoa para salvar outras duas? sera?
Pesquise, por exemplo, sobre o trafico de orgãos de preferencia em outros paises pois no brasil isso 'non-ecxiste', se é que voce me entende.
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