Tratando de mais dois temas polêmicos, trago dois debates de cunho acalorado no meio jurídico-social, que perpassam por "novas" formas de interpretações judiciais do dia-a-dia de nossos tribunais, procurando trazer em uma linguagem acessível aos leitores deste espaço as informações que entendo necessárias, sem contudo me descurar de valorizar a capacidade intelectiva do interlocutor que me honra com a sua leitura...
Inicialmente vou tratar do que se convencionou chamar de ativismo judicial. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. Este novo modelo que muitos dizem ferir o princípio da separação de poderes entendo salutar por seu maior dinamismo na solução de conflitos que estariam muitas vezes na dependência de uma maior vontade política das autoridades públicas administrativas e legiferantes...
O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil.
A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da livre criação do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas. Houve, a meu modo de perceber, uma incontestável evolução na forma interpretativa das necessidades públicas, onde os pleitos constitucionais são factivelmente potencializados de maneira mais efetiva e célere sem a dependência na maioria das vezes morosa e inefetiva do legislativo e do executivo...
O outro tema polêmico que trago para reflexão deve ser visto "cun granun salis". Aos mais afoitos ou dados a uma preguiça quase congênita, peço paciência ou um pouco de força de vontade, a depender...
Passa-se a tratar da tranversalização de alguns temas que passam a ser tidos por alguns "intérpretes" como quase que direitos absolutos, prevalecendo sempre que ponderados... Aí se inclui, entre outros, temas como o meio ambiente, a igualdade e os direitos humanos e ao contrário do tema acima explorado pode se revestir de carater autoritário, injusto e até mesmo inconstitucional...
O direito constitucional à igualdade, por exemplo, deve ser lido de uma forma não obtusa, até para que se possa tornar faticamente aplicável e não letra constitucional morta. Este deve ser entendido em sua concepção material e não formal. Não são simploriamente todos iguais perante a lei, mas sim iguais guardadas suas diferenças e peculiaridades subjetivas. Em um país de realidades extremamente estratificadas como é o Brasil, a noção de igualdade encontra sua raíz na educação. Sem educação digna, não há que se falar em igualdade de oportunidades, nem em seu desejado aspecto material, sem que se gere profundas injustiças baseadas em privilégios odiosos e a possibilidade de temerário apartheid social... A transversalidade entra neste enfoque como um perigo para sociedade governada por políticas populistas, que no momento de ponderar interesses constitucionais faz do populismo sua linha de ação, perpetrando injustiças à título de pagamento de dívidas históricas, ou seja, pagando mas pagando mal e como diz o velho brocado, quem paga mal acaba por pagar duas vezes...
Com o meio ambiente se o poder público e o judiciário fossem aplicar para todos os casos nossa legislação ambiental, sem a devida interpretação para cada caso concreto, este país não construiria nada além do que um muro impeditivo ao desenvolvimento. Por isso, a aplicação do desenvolvimento sustentável provoca a necessidade do judiciário estar a cada caso à ele submetido, ponderando interesses, sem que uma agrida de morte o outro... Neste aspecto a transversalidade do direito ambiental pode tornar o meio ambiente um algo impeditivo deste desenvolvimento e estagnar o país no tempo, algo impensável para o mundo contemporâneo... Por isso deve ser tratado como um direito de todos, como preceitua nossa Constituição em seu art. 225, mas jamais tido como um direito absoluto que não cede a qualquer poderação... Taí o perigo da transversalização...
A transversalidade vem sendo muito utilizada quando se fala em direitos humanos, principalmente pelos representantes intelectualizados das minorias e por governos populistas que muitas vezes se utilizam deste meio eleitoreiro. Aqui o cuidado deve ser redobrado. Todos os direitos que havia comentado até então, são direitos passíveis [com razoabilidade] da utilização do vocábulo transversalização, mas também são direitos humanos, porém alguns intelectuais tendenciosos e bestas anencefálicas costumam utilizar direitos humanos apenas quando se entende conveniente, o que restringe sobremaneira sua real acepção, o mesmo fenômeno ocorrido com o vocábulo transversalização... Ambos devem sim, andar juntos e de mãos dadas, mas devem ser aplicados à todos os direitos fundamentais previstos e implícitos na Constituição e de forma relativizada, como são todos os direitos constitucionais, passíveis de ponderações, mas jamais encarados de forma absoluta de per si, sob pena de decisões descabidas e axiologicamente injustas...
Como exemplo, uma decisão judicial resultado do Termo de Ajustamento de Conduta no procedimento administrativo Nº 06008-0/7, no Ministério Público de Pernambuco, apresentado pela organização de direitos humanos Terra de Direitos, pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por danos morais e direito de resposta contra a AOSS, em virtude da “campanha publicitária” contra o MST, realizada pela Associação em 2006. A decisão é resultado do Termo de Ajustamento de Conduta no procedimento administrativo Nº 06008-0/7, no Ministério Público de Pernambuco, apresentado pela organização de direitos humanos Terra de Direitos, pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por danos morais e direito de resposta contra a AOSS, em virtude da “campanha publicitária” contra o MST, realizada pela Associação em 2006. Em 2006, espalhou alguns outdoors pelas ruas do Recife e em estradas estaduais com críticas ao movimento, que foram consideradas “difamatórias e preconceituosas”. O texto dos outdoors era este : “Sem Terra: sem lei, sem respeito e sem qualquer limite. Como isso tudo vai parar?” Estavam havendo invasões em terras produtivas, que cumpriam a sua função social e sem qualquer critério se destruiam plantações e infra-estruturas para alegarem tratarem-se de terras improdutivas. Os autores da ação acima fundamentaram suas pretensões na transversalidade dos direitos humanos, mas esqueceram que a liberdade de expressão também faz parte dos direitos humanos, sendo um corolários inclusive do princípio democratico, talvez estes os únicos direitos fundamantais que deveriam se aproximar de um carater absoluto, e que justamente acabam tão miticados em sua aplicação...
Como conclusão, deve se tirar, que este vocábulo, que 99% da população não sabe do que se trata, vem sendo utilizado por interesse político de forma mitigada ou ampliada a depender dos interesses postos em jogo, como por exemplo tentou o Governo Lula no populista, totalitário e temporariamente abortado pela eleição de Dilma PNH3, esquecendo-se de coaduná-lo aos direitos humanos, esquecendo que direitos humanos são todos os direitos fundamentais previstos na Constituição, como o direito a liberdade de imprensa, que devem ser relativizados e ponderados para que não se atenda a interesses políticos-partidários particularizados, gerando irreparáveis inconstitucionalidades ou injustiças meritórias individuais ou coletivas... Não pode ocorrer de o poder judiciário em seu salutar ativismo judicial tornar-se excessivamente político e utilizar a transversalidade dos direitos humanos em carater absoluto para executar as vontades políticas de um retrógrado populismo barato...
Fica a ideia do perigo...
Fica a ideia do perigo...
4 comentários:
Sarmento,
Muito bom. Legal que não há doutrina a respeito de tranversalização, excelente, parabéns!
Fabrício da EMERJ
Muito bom! Um texto jurídico com uma crítica política de excelente qualidade.
Abraço.
Muito boas consideracoes caro Leonardo. Bom seria se os governantes e legisladores lessem com muita atencao e primassem pela execucao das leis sempre seguindo o criterio da sensatez. Infelizmente nao e isso que ocorre e o Executivo tem se valido das suas proprias interpretacoes erroneas e atravessadas da nossa Constituicao.
Belo texto Léo. Realmente é muito rico em conteúdo jurídico. Um grande abraço, saúde e sucesso.
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