Ok, mas e o mensalão nessa estória, onde entra a questão de interesse?
Propriamente no momento da dosimetria das penas, episódio que revelará a quais
interesses se procedeu majoritariamente toda esta inelutável "ginástica
intelectual" dos senhores ministros, se atenderão mais as suas convicções
jurídicas ou mais aos apelos políticos do poder.
Consigno desde já, que o MPF e o Supremo Tribunal Federal revelaram-se
morosos, não me exacerbo em dizer que prevaricaram nos termos do art. 319, CP.
Foram irrazoáveis sete anos para se iniciar o tão aguardado julgamento do
mensalão, tempo suficiente para praticar impunidades e tornar uma prestação
jurisdicional tendente a ineficácia.
Dos sete crimes apontados pelo PGR aos 37 réus na Ação Penal nº 470,
quatro estão prescritos desde 2011, caso o Supremo condene os réus a pena
mínima prevista em abstrato. O exemplo mais emblemático que se poderá denotar
referida prevaricação perceber-se-á no crime de quadrilha, que em abstrato
prevê como reprimenda de 1 a 3 anos de reclusão.
E como funciona o cálculo prescricional? Em apertada síntese, até o
recebimento da denúncia da PGR pelo Supremo, conta-se a partir da pena máxima
em abstrato, em sendo abaixo de 4 anos, a prescrição dar-se-á em 8 anos, o que
faria prescrever apenas em 2015, até aí nenhum problema aparente.
A "question iuris" surge a partir da decisão dos senhores
ministros, a partir do proferimento de seus votos, pois neste momento
levar-se-á em conta a pena aplicada em concreto, que se for a pena mínima ou um
pouco além da mínima, no caso de formação de quadrilha, não ultrapassando 2
anos, a prescrição dar-se-á em 4 anos e não mais em 8, quando crimes como a
mencionada formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato
e evasão de divisas estarão prescritos nos termos do art. 109, CP, e o
"ius puniendi" do Estado indelevelmente frustrado ao lado de parcela
da sociedade com a função judiciária como mais uma função desacreditada de
poder perante segundo o olhar social.
Faço lembrar, que caso prescrito esteja, haverá a automática extinção da
punibilidade do réu segundo o critério temporal, não sendo considerado
condenado e não carregando o réu qualquer antecedente criminal.
Por isso, aos ativistas que torcem contra a sensação de impunidade dos
réus nos "crimes de colarinho branco" devem mover suas energias no
sentido de iluminar os senhores ministros para aplicação da pena além do
mínimo, mais propriamente além dos 2 anos, que não mais prescreveria em 4, mas
passaria a prescrever em 8 anos, sendo certo que para condenar além do mínimo
necessária será a fundamentação. Critérios não objetivos como a monta
financeira envolvida ou mesmo a repercussão do caso, não atendem aos critérios
que o Supremo utiliza para majorar a pena. A meu entendimento, agravantes que
podem ser consideradas no caso do mensalão são a existência de abuso de poder e
a violação de dever inerente ao cargo.
Ressalta-se um ponto salutar para se alcançar penas mais gravosas
capazer de superar, ultrapassar os males da prescrição punitiva do estado. Os
ministros que absolveram os réus, que nitidamente votaram por razões políticas
com o Governo Federal, não participarão da fase de dosimetria das penas, das
reprimendas. Este é o entendimento que tem prevalecido em respeito a uma mínima
lógica esperada. Desta forma, Lewandowski e Tóffoli, que praticamente
absolveram todos os réus de
quase todos os crimes imputados pelo PGR restarão limados
desta fase, na lógica de quem absolve não pode
apenar.
Passo neste instante para análise do crime de quadrilha em especial,
tipificado no art. 288, CP. Minha visão sobre esta temática é cognitivamente
bem definida e entendo ser esta a melhor exegese para que o intérprete da norma
que tenha o ofício de prestar jurisdição assim proceda. O delito de quadrilha,
formal e de perigo, envolve a associação de no mínimo 4 pessoas (contando
inimputáveis e pessoas não identificadas) com fim de cometer crimes. Consigno
que não se faz necessário que tais delitos arquitetados logrem êxito, venham a
se concretizar para que se subsuma a tipificação penal, sendo o crime de
quadrilha um crime autônomo. É, portanto, um crime plurissubjetivo de condutas
paralelas, que tutela a paz pública em uma associação estável e permanente, uma
associação sólida estruturalmente e temporalmente durável. A ausência deste último
requisito desclassifica-se o delito para mero concurso de agentes.
Do exposto, não há como desclassificar, a meu ver, as condutas dos
mensaleiros que se auxiliavam mutuamente na busca de seus planejados fins
criminosos. Alegar a inexistência de uma associação estável e permanente como
propugna o quarteto Rosa Maria Weber, Carmen Lúcia o bravo Lewandowski e Dias
Toffoli, é, a meu sentir, querer ver chifre em cavalo na crença da existência
de unicórnios. Co-autoria de pelo menos 2 anos é algo esdrúxulo, surreal a se
alegar, por isso abstenho-me de discorrer.
Quanto a paz pública, esta é abalada quando se busca a modificação das
consciências dos representates do povo para que votem não de acordo com os seus
representados (o povo), mas de acordo com os interesses do Governo Federal. Não
há necessidade de se tratar de um crime de índole violenta, armas por exemplo
qualificariam o crime de quadrilha. Por isso a paz pública indubitavelmente
restou seriamente abalada.
Restou amplamente comprovado pelo chefe do MPF, que a associação era
permanente e iria se manter enquanto o Partido dos Trabalhadores perdurasse no
poder, no objetivo de comprar com o dinheiro público a consciência de membros
do legislativo para a aprovação dos projetos de interesse do Governo Federal.
Da própria denominação "mensalão", já se deduz com certa obviedade,
que a finalidade da associação perdurou como perduraria, não fosse denunciado,
publicizado, por um dos beneficiários passivos do esquema que veio a se sentir
prejudicado nos seus recebimentos. Deixo anotado, que bastaria a associação,
ainda que não se conseguisse praticar o crime pretendido, é um crime formal.
Desta feita, abstraindo-se elucubrações de alguns dos senhores ministros
movidos por outros interesses que não o de julgar de acordo com a subsunção da
norma aos fatos, causar-me-ia espécime qualquer jurisconsulto, positivista
kelseniano ou não, que sustentasse uma tese criativa defensiva que discrepasse
da existência do crime de quadrilha no caso mensalão.
Por último, trago à baila, o que hoje parece ser a maior dúvida do
plenário do Supremo tribunal Federal, o "modus procedendi" da Corte
constitucional com relação aos inúmeros empates que a aposentadoria do ministro
Cezar Peluso no interregno do julgamento fez acarretar, já que deixou a
composição plenária em número par, e claro, não se pode esquecer das criativas
interpretação de fatos provados que conseguiram perpetrar alguns ministros.
Duas são as teses de interesses que se digladiam, embora uma terceira me
pareça a mais correta. A questão deverá ser suscitada ao final do julgamento,
já que até o último voto é possível a alteração de votos já proferidos, como
fez Lewandowski gerando mais alguns empates ao absolver os poucos que havia
condenado, modificando seu voto e passando a entender pela inocorrência do
crime de formação de quadrilha em relação a todos os réus. Deverá ser ao fim
suscitada questão de ordem para que o plenário se pronuncie.
A 1ª tese é a tese consentânea com o RISTF, mais propriamente com seu
art. 13, IX. O regimento expressa-se no sentido de que o desempate deve-se dar
através do voto de qualidade do presidente da Casa, que, portanto, faria
prevalecer às razões de seu voto, prevendo o RI a possibilidade de exceções
expressas. Para alguns, esta metodologia de desempate revela-se contrária ao
Estado Democrático de Direito, apesar de ser a metodologia constante no RI da
maior Corte de Justiça do país, uma Corte Constitucional por essência de um
Estado Constitucional Democrático de Direito.
A 2ª tese é a tese aplicada para o caso do julgamento de Habeas Corpus
pelo Supremo, mais propriamente a tese do "in dubio pro reo", onde
absolve-se o réu em caso de dúvida. Acontece, que esta tese, em tese, como
disse, é aplicada pelo Supremo apenas para o desempate nos julgamentos de HC,
segundo prescreve o art. 146, par, único do RISTF, e não para ações penais
originárias, como é a Ação Penal 470.
O fundamento para aplicação do princípio do "in dubio pro reo"
encontra-se no art. 615, Par 1º, CPP, e em uma interpretação analógica
extensiva, na previsão do RISTF que é específica para o HC.
A tese do "in dubio pro reo", a meu sentir, não é a correta
fundamentação que deveria ser ventilada pela defesa ou por Lewandowski e
Toffoli, pois a dúvida não é sobre a existência do fato ou autoria, sobre o
fato juridicamente relevante, mas sim quanto ao resultado do julgamento. Caso
contrário, o réu ganharia gratuitamente um voto a mais pela sua absolvição
proferida por uma "entidade divina", o que seria no mínimo exótico.
Aqui não se fala em ônus da prova, dúvida, mas em "favor rei".
A melhor fundamentação encontra-se no art, 5º, LVII, CF. Por este
artigo, presume-se a inocência do réu até o trânsito em julgado da sentença,
que apenas pode ser afastada se houver prova plena do cometimento do delito. A
sentença condenatória transitada em julgado é a que modifica do
"status" de inocente para culpado, já absolutória deve ser proferida
a partir da dúvida ou da certeza da inocência do delito, pouco importado,
reafirma a inocência transformando a presunção em sentença absolutória.
Desta forma, com o empate na ação pena originária, a presunção de
inocência não transmudou-se na certeza da culpa para condenação, não possuindo
a força modificativa para alterar o "status" de inocência do réu para
culpado, Portanto, em se optando por prestigiar o princípio da presunção de
inocência, manter-se-á o "status" inicial de inocência, tendo em
vista não que teria o MPF logrado êxito em seu mister acusatório, em respeito ao
art, 5º, LVII da CRFB. Esta é sem dúvida alguma a interpretação jurídica mais
técnica segundo a ausência de uma previsão expressa.
Não acredito que prospere a tese do voto de qualidade do presidente do
Supremo. Em vencendo a tese mais técnica que expus, ou mesmo a tese enferma por
atecnia, mal ajambrada, alardeada pelos patronos de alguns dos réus via
imprensa (ambas com o mesmo resultado finalístico), cria-se uma nova presunção,
a de que o julgamento do mensalão terminará em algum dos muitos rodízios de
pizza de Brasília para alguns dos réus. Que sejam corteses os senhores patronos
dos réus e do partido do Governo federal, que não esqueçam dos amigos
Lewandowski e Tóffoli por gratidão ofertando-lhes uma merecida e generosa
fatia.
Por tratar-se de presunção relativa, ainda confio que as pizzarias
estejam fechadas e que não haja comemorações senão as da sociedade voltando a
crer que a prestação jurisdicional se faz de forma igualitária, sem
descriminação, que não se diferencia seus cidadãos pelo grau de instrução, pelas
quantias bancárias amealhadas ou pelo poder angariado...
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