Sustentam os
defensores de sua natureza constitucional, que embora o princípio não esteja
expressamente previsto no texto maior está umbilicalmente ligado ao
Estado de Direito. Que o princípio é parte do devido processo legal
constitucional servindo como controle das decisões, sendo uma válvula de
pacificação social e de concretização da justiça. Neri Jr. acrescenta, que o
duplo grau teria previsão constitucional nos termos do art. 102, II e III da
Carta Magna, quando prevê que os tribunais terão competência para julgar causas
originariamente ou em grau de recurso. Nelson Nery Jr, no entanto, expressa com
imensa felicidade ser o duplo grau de jurisdição um princípio, e por este
motivo passível de sopesamento pelo legislador com outros princípios, que a
partir da relevância social da causa, circunstâncias procedimentais e a
razoável duração do processo, poderá o legislador, concedendo maior peso a
efetividade do processo, optar por restringir o duplo grau de jurisdição a
certas causas ou determinadas circunstâncias. Disto nota-se uma possível relativização.
Diversamente
pensam os doutrinadores, que atestam não constar com art. 5º LV a garantia do
duplo grau de jurisdição, por uma opção legislativa, estando ao contrário, de
forma expressa, as garantias do contraditório e da ampla defesa, pois assim o
legislador optou, não podendo ser considerado princípio fundamental de justiça,
sendo possível o legislador ordinário deixar de prevê a revisão do julgado por
um órgão superior, já que a Constituição não o mencionou. Esta é a visão de
Marinoni, Didier e deste que vos fala.
Em verdade, a
previsão da Constituição quanto a possibilidade de interposição de recursos não
quer dizer que todas as decisões possam ser impugnadas por meio deles, já que o
referido princípio, segundo esta corrente, encontra-se circunscrito ao âmbito
infraconstitucional. Este lado da doutrina a qual me filio, deixa claro, que em não ostentando o
princípio natureza constitucional, mas infra, poderá ser afastado por outro
princípio, restringido inclusive por legislação infraconstitucional.
Passa-se neste
momento a análise de um calo incomodativo, passa-se ao ponto nevrálgico da questão com
base no que foi exposto e a partir da posição que sustento:
Reafirmado ser partidário e defensor do princípio do duplo grau de jurisdição como
norma infraconstitucional, que não restou assegurado como garantia
constitucional de um devido processo jurisdicional pelos motivos arrolados na
esteira de Marinoni e Didier. Sendo o princípio de albergue
infraconstitucional, pode ser afastado por norma infraconstitucional de
previsão diversa como pelos inúmeros dispositivos constitucionais que
expressamente restringem a aplicação do princípio em foco. O art. 515,
parágrafo 3º; art. 475 e 557; todos do CPC, são exemplos de restrições
expressas a aplicação do duplo grau de jurisdição.
O grande problema
infirma-se, quando a contenda tratar de matéria processual penal, quando o
princípio, para muitos, teria força de uma garantia constitucional, devido ser o
Brasil signatário do Pacto São José da Costa Rica e do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos. Tratam-se de tratados de direitos humanos, que em
tese (até a EC 45) teriam o status de norma
constitucional. Ocorre, que a EC 45/04 trouxe como nova previsão constitucional
uma mudança de interpretação a partir do art. 5º, parágrafo 3º da Constituição,
segundo a qual o status constitucional
dos tratados de direitos humanos está condicionado a sua aprovação por dois
turnos, por 3/5 dos integrantes das Casas legislativas. Aplicando-se o disposto aos tratados
mencionados estes não teriam o status constitucional,
mas supralegal (conforme entendimento do STF), não revelando capazes de se imporem
diante das exceções constitucionais ao duplo grau de jurisdição.
Parte dos
doutrinadores, em especial os internacionalistas, poderia argumentar que os
tratados de internacionais de direitos humanos já possuíam força constitucional
antes da Emenda 45, e esta regra revelar-se-ia um retrocesso de uma garantia
fundamental do cidadão. Penso que não, pois em verdade, não possuíam status constitucional,
mas sim partes da doutrina e da jurisprudência assim os entendia. Não havia
qualquer norma interna no ordenamento que conferisse status constitucional a
estes tratados, por isso o art. 5º parágrafo 3º é sim de aplicação imediata e retroativa a
todos os tratados ratificados antes ou após o início de sua vigência.
É nesse diapasão,
que sustento a valia sim, do princípio
do duplo grau de jurisdição, salvo exceções
constitucionais expressas. É nesta ordem excepcional, que se encontra o foro
por prerrogativa de função dos mensaleiros, que por vis atrativas (conexão) ou
não, estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, última instância
jurisdicional, segundo imperativo de nossa Constituição, não assistindo a meu
sentir razão aos que defendem a obrigatoriedade do reexame da decisão proferida
pelo pleno da Corte mais alta do país.
Como se não
bastasse o que até aqui se expôs, confere força ao que defendo a outra
alteração imposta pela EC 45/04, que dispões como garantia fundamental do
cidadão a razoável duração do processo. Imagine o julgamento do mensalão:
proferida a decisão pelo pleno da maior Corte jurisdicional do país após 5 anos, ter esta
decisão que submeter-se a nova apreciação meritória do que já se decidiu a
partir não de um juízo monocrático, mas de uma decisão de órgão colegiado (onde
a possibilidade da ocorrência de error in
iudicando é, por lógica, infinitamente menor que no
juízo monocrático). Só seria palatável este caminho, caso o objetivo fosse a
obtenção da extinção da punibilidade pela prescrição, em absoluta frustração do ius puniendi do Estado e da
própria sociedade, que espera por justiça e não por impunidade. Frustrar-se-ia
em exato, inclusive, o que o direito moderno busca, que é a efetividade do
processo, de forma capital e inexorável.
Some-se outra
razão como se suficiência não já não houvesse, esta de ordem prática, que por
dedução lógica já ventilei no presente artigo. Quem julgaria em grau de recurso uma decisão proferida pelo pleno da maior instância
jurisdicional do país? O próprio pleno novamente? Revelar-se-ia um inominável despautério inqualificável imaginar a reanálise do mesmo
caso, com as mesmas provas, pelos mesmos julgadores, sendo certo, que ainda
assim, não se atenderia ao Pacto São José da Costa Rica (art. 8, 2, h), que
exige que a reanálise do mérito se faça em uma instância superior, o que se faz
faticamente inviável pelo teto jurisdicional já ter sido alcançado
colegiadamente.
Saliento, que o
Regimento Interno do STF, art. 333 do RISTF, que data anteriormente a CF/88,
previa os embargos infringentes nos casos de procedência da ação penal, desde
que haja quatro votos favoráveis a tese vencida. Ocorre, que há legislação
posterior que discrepa do entendimento esposado no RI, e o art. 22, I, da CF é
claro quando proclama que os RI dos Tribunais devem respeito a reserva de lei
Federal. A lei revogadora do art. 333 do RISTF é a L. 9038/90, que trata especificamente
do processamento das ações penais originárias, sendo certo, que a partir da
CF/88, o RI não pode tratar de matéria estritamente processual, como a previsão de um recurso não previsto em legislação Federal, inovando em matéria de processo. Desta feita, a meu pensar, é
forçoso concluir pela impossibilidade jurídica do recurso de embargos
infringentes na seara da decisão plenária do STF.
Faço lembrar que RI é
"lei material" e não pode tratar especificamente de processo, para
isso há o CPC e o CPP, nos termos do art. 22, I da CRFB. Corrobora esse
entendimento uma questão de ordem lógica, pois vejam: Para declarar a nulidade
de uma lei ou ato normativo contrários a CF atrvés de ADI bastaria 6 votos dos senhores
ministros, já para condenar definitivamente um réu, 7 votos não seriam suficientemente capazes pela hipotética existência dos embargos infringentes, a partir da dissidência de 4 votos, o que se revela desproporcional.
Por último, toco
na ferida purulenta da questão, mas que em nada modifica minhas convicções. O
Pacto São José da Costa Rica, em seu art. 33, dispõe que eventuais violações
aos termos do Pacto sujeita o país violador a jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, que tem o poder de determinar ao violador o
cumprimento de suas regras, segundo disposto no art 63. Partindo-se da premissa
de que norma constitucional excepciona o duplo grau de jurisdição (de natureza infraconstitucional) de forma
expressa, atribuindo ao STF competência originária por foro por prerrogativa de
função para julgamento, sendo a exata hipótese do caso mensalão. Mesmo que
hipoteticamente se viesse a considerar como de status constitucional o
duplo grau, a partir de excepcionado pela Constituição a sua inaplicabilidade,
não há qualquer violação a se ventilar, já que a regra no ordenamento continua
a ser o duplo grau de jurisdição, salvo exceções (esta de natureza
constitucional).
Inconcebível seria imaginar qualquer Tratado Internacional de Direitos Humanos acima da própria Constituição de um país, como uma norma supraconstitucional, principalmente em se tratando de Estado Democrático de Direito. Normas desse talante não existem em nosso ordenamento, onde a Constituição é indeclinavelmente a lei maior. Considerar o duplo grau de jurisdição como de um status superior ao da própria Constituição, que o excepciona, é algo a meu sentir impensável, e por isso um argumento pouco defensável.
Inconcebível seria imaginar qualquer Tratado Internacional de Direitos Humanos acima da própria Constituição de um país, como uma norma supraconstitucional, principalmente em se tratando de Estado Democrático de Direito. Normas desse talante não existem em nosso ordenamento, onde a Constituição é indeclinavelmente a lei maior. Considerar o duplo grau de jurisdição como de um status superior ao da própria Constituição, que o excepciona, é algo a meu sentir impensável, e por isso um argumento pouco defensável.
Quanto a "parcialidade" que sugere o brilhante artigo do emérito
professor LFG, no tocante ao julgamento do mensalão com relação a participação de Joaquim Barbosa, também entendo, com a devida
máxima vênia, não assistir-lhe razão. Ao juiz, e por maior razão no âmbito
penal, é dado o poder instrutório para alcançar a verdade possível suficiente
para o seu convencimento. Ao MP coube, como não poderia deixar de ser com colaboração policial, a devida persecução penal para o oferecimento da
denúncia. Ao ministro relator restou-lhe apenas a busca de seus convencimentos com o auxílio de praxe de um magistrado de 1º grau de jurisdição nomeado, para a produção do relatório e o pronunciamento de seu voto, nada que produza qualquer parcialidade. A parcialidade poderia ser sustentada na participação do
ministro Dias Tóffoli, tendo em vista sua estreitíssima ligação afetiva e
profissional com os réus e a causa por eles defendida.
É desta forma que
insofismavelmente vejo a questão. Vê-la de forma diversa é percebê-la segundo
fomentadores interesses advindos do mensalão. Ventilar pela invalidade do
julgamento do mensalão é tarefa para "guerreiros" que querem
polemizar além da própria polêmica. Uma decisão deste quilate retiraria por
completo a autonomia da Corte de Justiça maior deste país, o que não há como
cogitar sem que haja ocorrido efetiva lesão a direitos ou liberdades protegidos
na Convenção e vistos como desprotegidos pela ordem constitucional interna do
país, até porque, trata-se de um Estado Democrático de Direito Constitucional,
que deve ter respeitadas suas soberanas peculiaridades com independência para
excepcionar direitos que não são absolutos.
O que se pode cogitar seja feito é um pedido de alteração em nossa estrutura jurisdicional para adequar-se paulatinamente aos anseios do Pacto São José da Costa Rica, nada que interfira de agora na independência soberana de nossa jurisdição constitucional.
O que se pode cogitar seja feito é um pedido de alteração em nossa estrutura jurisdicional para adequar-se paulatinamente aos anseios do Pacto São José da Costa Rica, nada que interfira de agora na independência soberana de nossa jurisdição constitucional.
Lembro por
último, das possibilidades de embargos declaratórios e de revisão criminal, esta uma ação autônoma após a
ocorrência da coisa julgada, proposta no tribunal, que possui competência
originária, caso preenchidos seus requisitos. Passado o prazo desta ação
formar-se-á o que se denomina de coisa soberanamente julgada.
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