15 outubro, 2012

PT TORNA PÚBLICO QUE DESCUMPRIRÁ SEU PRÓPRIO ESTATUTO E CONTINUARÁ A ACOLHER COM IDOLATRIA OS SEUS. A VISÃO DE UM GARANTISMO PENAL MAIS ADAPTÁVEL ÀS NECESSIDADES DO CASO CONCRETO

Quando as normas se afastam de uma prática realizável... Pois é, o Estatuto do PT prevê de forma expressa, em seu art. 231, que o partido deve expulsar seus filiados que hajam sofrido condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas com sentença transitada em julgado.
Em se tratando de partidos políticos, em especial do partido que preside o país, tal norma regimental tende a cair no completo desuso (uma heresia jurídica, já que tecnicamente não há que se falar em norma em desuso), que através de uma espécie de "licença poética" jurídica permito-me a esta impropriedade.
Já se propôs-se, por Tarso Genro, quando assumiu a presidência do partido em 2005, a refundação do partido como forma de apagar da memória da sociedade as mazelas tornadas públicas de seus militantes. A proposta àquela época restou rejeitada. Hoje, percebe-se com grande acerto.
Vemos um partido que notadamente acredita e aposta na ignorância da sociedade brasileira para continuar sua caminhada tendente ao continuísmo de poder. Lula firma com máxima convicção, que a provável queda do Palmeiras e a disputa do título pelo Corinthians em Tóquio importam muito mais a sociedade que o julgamento dos mensaleiros de seu partido. Já o ministro da Secretaria Geral do governo Dilma, Gilberto Carvalho, propugna em outras palavras acreditar que o povo está preparado para desconsiderar a decisão da maior Corte de justiça deste país, pois segundo ele o povo quer quem cumpra as políticas públicas prometidas, independentemente do meio escolhido para tal fim, “maquiavelismo político”.
De certa forma a sociedade mostrou que Lula e Gilberto Carvalho estão sim com a razão. Em 1º turno, o PT alcançou resultados que nem seus militantes mais otimistas seriam capazes de apostar. A sociedade vem legitimando seu no papel de ignorante no contexto político-social deste país, e de certa forma, mandando um recado negativo as instituições de poder, um recado de permissibilidade no tocante a imoralidade no trato com a coisa pública, de anuência aos políticos que se desviam do interesse público a ser perseguido, de complacência em relação aos demagogos que burlam o ordenamento para se locupletarem em proveito de seus interesses privados. De certa forma, não revelar-se-ia demasiado sustentar que a sociedade em sua maioria reprova este emblemático capítulo da estória do Supremo Tribunal Federal, que funcionalmente utiliza das normas postas para reprimir a impunidade dos crimes de poder.
Pautando por este ângulo de visagem onde o descumprimento de nosso ordenamento legal e constitucional pelos membros de poder recebe como resposta a tolerância social, vide eleições, e em se tratando do partido que desde que ascendeu ao poder sempre solenemente desrespeitou o ordenamento posto e indiretamente a sociedade, não haveria como imaginar atitude diversa que não a abstração, o contumaz desrespeito também quanto as suas próprias normas internas de funcionamento, de menor caráter cogente, que em tese protegeriam o partido de criminosos infiltrados na legenda. É nessa toada, que os dirigentes do PT já adiantaram que não cumprirão o estatuído regimental e que todos os condenados pelo STF no julgamento do mensalão, filiados ao partido, permanecerão como membros-militantes do PT. Decreta-se: Criminosos são sim bem-vindos!
Seria, sejamos intelectualmente justos, paradoxal, imaginar que criminosos punam criminosos irmanados para prática de crimes. Isso só se mostraria imperioso como resposta institucional caso o Brasil não fosse o Brasil com as suas características, se tivéssemos uma sociedade intelectualmente mais bem desenvolvida que a atual construída, bem distante do patológico analfabetismo funcional, a regra que nos permeia. Uma sociedade capaz de discernir no mínimo a um julgamento moral de quem a democracia nos oportunizou escolher para nos representar. Este país, que a cada passagem de sua estória deixa para trás o posto de promessa e escala o posto da utopia de um país de tolos...
Para concluir, quero veementemente repudiar a má-fé intelectual de quem vem sustentando estar se revelando o julgamento do mensalão um julgamento político e não jurídico. Em nenhum momento se está condenando por razões que não as jurídicas. Os votos condenatórios vêm sendo ostensivamente fundamentados e exaustivos a partir dos elementos carreados pelo MPF à denúncia e das máximas da experiência. Alegar que o STF não vem se portando como um Tribunal garantista é uma falácia ou de má-fé ou de ingenuidade intelectual. O garantismo não pode ser visto como uma garantia dura e não adaptável. Certos crimes se julgados a partir de uma rigidez garantista extrema fatalmente restarão sem uma resposta jurisdicional minimamente justa e eficiente, onde a impunidade revelará a medida da frustração do ius puniendi estatal. Os crimes de poder são exemplos em que se o tribunal optar por um garantismo duro e inflexível não se verá alcançada uma resposta jurisdicional de acordo com as realidades fáticas apresentadas. São crimes onde se procura esconder seus mentores, de forma que, acaso descoberto o esquema, o Estado não logre êxito em sua persecução criminal alcançando tão só os meros e substituíveis executores não ocultos do esquema, os peixes mais miúdos do cardume.
É nesta perspectiva garantista de impunidade que trabalhou o Partido dos trabalhadores, e contra esta limitação imposta por esta espécie de crime organizado que deve o Estado-juiz procurar comprovar os fatos a partir deste jogo de esconde-esconde. Imaginar, segundo uma exigência garantista rígida, encontrar provas documentais, assinaturas autorizativas de ilícitos dos mentores/dirigentes do esquema, é criar aos julgadores embaraços intransponíveis para seus ofícios de julgar nos termos de uma verdade possível, transformando-os em figuras impotentes e facilmente manipuláveis em seus poderes jurisdicionais. É impedi-los de utilizar suas persuasões racionais, seus espíritos cognitivos subsumidos ao caso concreto. Condenar a partir de provas testemunhais, fortes indícios e presunções, a partir de todos os nexos causais constantes nos autos processuais, não é abdicar do modelo garantista de julgar, mas sim utilizá-lo da forma adequada, segundo as exigências do caso concreto. Lembro que a tarifação das provas não faz mais parte do nosso direito positivado, e que a prova testemunhal não tem menor valor que a documental, não havendo sentido em ainda considera-la como a prostituta das provas. Os valores restarão atribuídos quando da análise do caso concreto, a partir da íntima percepção dos julgadores e de suas fundamentações colacionadas as suas razões de decidir. Note-se ainda, que o Supremo valora provas testemunhais de corréus como provas testemunhais válidas e de igual força probande. O caso concreto revelará sua fidedignidade.   
Deve-se procurar dinamizar a prestação jurisdicional não impossibilitando o dever de o Estado de prestar justiça, fazendo-o refém de manobras impeditivas do crime com o fito de ocultar ao máximo a autoria e a materialidade pertinente aos mandantes de tais práticas, os reais beneficiários dos delitos que possuam características de crimes praticados por organização criminosa. Pensar diferente disso, é pensar em um judiciário ineficiente, que não acompanha as evoluções que os criminosos impelem às suas práticas, é analogicamente tornar o juiz um mero aplicador de reprimendas ao pedreiro executor da obra que desabou, sem jamais conseguir punir o arquiteto que a desenhou ou o engenheiro que coordenou sua construção. É concordarmos com uma prestação jurisdicional ineficaz na luta contra a impunidade dos crimes de poder, um Estado incapaz de punir parcela dos transgressores de sua ordem em uma espécie de "impunidade censitária" de poder. Se esta é notadamente uma realidade isto não quer significar que deva ser aceita com parcimônia.
Sem mais.

Um comentário:

Prof. Saraiva disse...

Grande artigo, caro Sarmento. Excelente visão quanto a uma nova leitura do garantismo penal.

Parabéns novamente!

Prof. Saraiva